Débora Borges
Apesar de tudo o que aconteceu, eu estava com as esperanças renovadas. Depois de chorar bastante e pedir a Deus uma resposta, um versículo bíblico lido depois de uma oração acalmou meu coração: “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Salmo 30:5). Eu sabia que Deus não iria nos desamparar e que aquela situação não ficaria assim. Estava contando para uma amiga que trabalhava comigo na creche que eu não sabia quando nem como o Michelson e eu iríamos ter nosso próprio lar, depois de termos perdido todas as economias naquele “golpe do apartamento”. Além disso, meu salário mal daria para pagar um aluguel, e o Michelson também ganhava tão pouco que não seria suficiente para cobrir nossas outras despesas. O jeito era continuar morando com minha família, até conseguir um emprego com salário mais alto e que nos permitisse continuar sendo fieis a Deus e aos Seus mandamentos.
Apesar de tudo o que aconteceu, eu estava com as esperanças renovadas. Depois de chorar bastante e pedir a Deus uma resposta, um versículo bíblico lido depois de uma oração acalmou meu coração: “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Salmo 30:5). Eu sabia que Deus não iria nos desamparar e que aquela situação não ficaria assim. Estava contando para uma amiga que trabalhava comigo na creche que eu não sabia quando nem como o Michelson e eu iríamos ter nosso próprio lar, depois de termos perdido todas as economias naquele “golpe do apartamento”. Além disso, meu salário mal daria para pagar um aluguel, e o Michelson também ganhava tão pouco que não seria suficiente para cobrir nossas outras despesas. O jeito era continuar morando com minha família, até conseguir um emprego com salário mais alto e que nos permitisse continuar sendo fieis a Deus e aos Seus mandamentos.
Uma amiga que estudava a Bíblia
conosco estava inconformada e perguntava por que Deus não nos ajudava. Então
falei o que realmente estava sentindo naquele momento: “Servimos ao Deus da
Bíblia. Ele é todo-poderoso e nos ama todo o tempo. Entregamos a vida a Ele e
cremos que Ele está nos guiando pelo caminho certo. Nada nos acontecerá sem que
Ele permita. Ele está vendo tudo, e sinto que Jesus tem planos diferentes
daqueles que fizemos, mas que ainda são desconhecidos para nós. Se tudo o que
planejamos desse certo, nossa vida teria outro rumo. Agora não estou vendo uma
saída, mas confio em Deus. Tenho certeza de que Ele vai nos ajudar.”
Na verdade, o que mais nos
incomodava era aquela sensação de falta de realização pessoal. Nosso trabalho
era nobre e eu estava descobrindo a satisfação de educar crianças. Mas o
Michelson tinha aspirações que não silenciavam dentro dele. Ele sonhava e
buscava meios para utilizar na obra de Deus seus dons e conhecimentos
jornalísticos. E, é claro, como marido provedor, nos dar condições financeiras
para formar nossa família e ter independência. Era uma questão de dignidade.
Pouco tempo depois, fui chamada no meio da manhã para atender
ao telefone na secretaria da creche. Era meu esposo e eu estranhei aquilo. Era
a primeira vez que ele ligava para lá. Devia ser importante. Ele estava feliz e
disse sem rodeios:
– O que você acha de morarmos em Tatuí?
– O quê?! – eu falei, rindo do entusiasmo dele.
– O pastor Rubens Lessa, da Casa Publicadora Brasileira, me
convidou para fazer uma entrevista e um teste para uma vaga de editor.
Parecia um sonho. Eu não conseguia avaliar direito o que
estava acontecendo nem imaginar como nossa vida iria mudar.
Quando ele estava em Tatuí, fazendo o teste, ficamos
incomunicáveis, pois celulares não eram populares (e não podíamos ter um), não
havia e-mails e eu não tinha telefone. Ah, como seria bom se já existisse Skype
ou WhatsApp! Fiquei ansiosíssima esperando o retorno dele. Quando ele chegou,
nos abraçamos demoradamente, sentindo a mão de Deus nos abençoando e conduzindo
nossa vida de uma forma surpreendente. Em nosso olhar, era como se disséssemos um
para o outro: “Eu sabia que Deus nos ajudaria.”
O Michelson estava eufórico como uma criança, enquanto
contava cada detalhe de sua visita à CPB. Ele me disse que tudo era lindo lá:
os jardins, os escritórios, o parque gráfico. E a cidade também.
Aquele mês transcorreu com a nossa rotina normal. A correria
e o estresse do dia a dia me davam a impressão de que o dia da nossa mudança
estava tão distante, ou que talvez nunca acontecesse. Mas tudo foi muito rápido.
Quando chegou a notícia de que meu esposo havia sido aprovado no teste,
tínhamos apenas uma semana para estar em Tatuí, pois o Michelson precisava
começar a trabalhar em breve.
Um mundo novo me esperava e eu não estava pronta para ele.
Emoções e sentimentos que eu nunca havia experimentado tomaram conta de mim. Eu
me sentia como uma menininha de cinco anos de idade que iria ficar longe da
mamãe. Estava totalmente insegura e parecia que eu não conseguiria fazer nada
longe da minha mãe. Era uma dor muito forte ficar sem ver o rosto dela por
tanto tempo. Sem poder receber seu carinho, seu abraço confortador nas horas
difíceis.
Eu realmente não sabia o quanto havia sido mimada. Meus pais
haviam me criado com o foco nos estudos, e eu achava que jamais seria dona de
casa. Simplesmente não pensava nisso, antes de conhecer meu marido. Minha mãe
não exigia que eu ajudasse nas tarefas domésticas, para que eu tivesse tempo de
estudar e brincar; e mais tarde, na adolescência, comecei a trabalhar como
bolsista da escola em que meu pai lecionava. Talvez ela quisesse me poupar do
que sofreu e me dar uma vida totalmente diferente da dela. É claro que de vez
em quando eu dava uma ajudazinha na limpeza, mas não o suficiente para estar
preparada para cuidar de uma casa.
Ao chegar a Tatuí, meus olhos estavam ofuscados pela dor da
perda. Eu queria estar feliz como o Michelson, mas não conseguia vencer a
saudade, a insegurança e o medo do desconhecido. Olhei para a cidade do alto de
sua entrada principal e ela me pareceu horrível. Era alaranjada, como se estivesse
envolta em uma nuvem de poeira laranja. Eu contrastava aquela imagem com a
minha última visão de Florianópolis, ao sair de ônibus da rodoviária. O céu
azul, os raios do sol refletidos no mar como um espelho, gaivotas voando em
frente a um barquinho de pesca igual ao do meu pai. Aquela cena era tão
familiar que, para mim, passava despercebida. Mas agora eu achava que era a
mais linda do mundo – e eu teria que viver sem ver o mar no horizonte. Isso me
fazia sentir que estava muito longe de casa.
Hoje eu amo minha cidadezinha de Tatuí. É incrível, mas só
penso em ir embora daqui se Jesus nos revelar que tem planos para nós em outro
lugar. Caso contrário, quero morar aqui até que Ele volte e nos leve para o
Céu.
Eu sabia que Deus queria que estivéssemos ali, mas esperava
que Ele fizesse alguma coisa para aliviar minha dor. E Ele colocou pessoas
amorosas em nosso caminho. Estávamos procurando urgentemente uma casa para
alugar. Então, uma funcionária da redação da CPB prontamente se dispôs a
ajudar. Mais do que fazer várias ligações, a irmã Ildete me transmitiu tanto
carinho e acolhimento, que ela me deu forças para acreditar que eu ainda
ficaria feliz.
Vimos várias casas, mas o que determinou nossa escolha foi
conhecer a Charlotte. Em frente à casa dela havia uma casa pequena para alugar.
Ela conhecia os donos daquela residência de meio lote e estava com as chaves
dela. Batemos à porta da casa da Charlote e, quando ela se abriu, ouvimos um
“olá” muito animado e vi o maior sorriso que já tinha visto, tudo acompanhado
de um forte abraço. Ela nos tratou como se já nos conhecesse havia muito tempo
e estivesse nos esperando. Ela era muito alegre e fez a maior propaganda do
bairro. Era perto do centro da cidade e eu poderia ir a todos os lugares a pé,
já que não tínhamos carro. Era bem arborizado, tranquilo, silencioso e com uma
boa vizinhança. E o melhor de tudo: seríamos vizinhas, e ela se ofereceu para
me apoiar no que eu precisasse. Se ela soubesse o quanto eu estava carente, talvez
não tivesse dito aquilo, porque eu me apoiei mesmo!
O detalhe é que ela era esposa do chefe do Michelson, o
pastor Lessa. Os dois foram mais do que amigos e ajudadores para nós; foram
verdadeiros irmãos em Cristo. Não podia existir chefe melhor. Algumas vezes,
ele até nos ofereceu seu carro para que pudéssemos sair, ir à igreja. E ela me
deu dicas preciosas de culinária. Além de orar comigo constantemente e enxugar
minhas lágrimas.
É maravilhoso esse amor fraternal da família de Cristo! Aonde
quer que vamos, podemos contar com o apoio e o afeto dos irmãos que também amam
Jesus e compartilham da mesma fé. Se não fosse isso, não sei se teria suportado
o sofrimento.
*****
O dia em que chegamos a Tatuí com a nossa pequena mudança foi um dos
mais frios daquele ano. Chegamos de ônibus antes do caminhão e entramos na casa
ainda vazia. Era feriado de 1º de maio de 1998. O pastor Lessa e a Charlotte estavam
viajando e passamos sozinhos nosso primeiro fim de semana na cidade.
A maioria dos nossos pertences –
que eram presentes de casamento – permaneceu encaixotada, pois não tínhamos onde
guardá-los. Possuíamos apenas uma cama e um fogão (presentes de casamento), uma
TV velha que pertencia ao Michelson, uma escrivaninha e uma estante com livros.
Felizmente, aquela casa tinha guarda-roupas planejados. Na segunda-feira, fomos
procurar uma geladeira para pagar em parcelas.
Como também não tínhamos mesa nem
cadeiras, fazíamos as refeições sobre uma caixa de papelão em cima da cama. E
foi assim por alguns meses.
Nossa primeira "mesa" |
Para mim, o aprendizado mais
difícil foi enfrentar o tanque de roupas. Sem máquina de lavar, eu esfregava
todas as roupas sujas. A pele fina das minhas mãos esfolava e chegava a
sangrar. Por isso, eu só lavava roupas nas segundas-feiras, para dar tempo de
cicatrizar as feridas e eu poder esfregar as roupas novamente. Até tentei usar
luvas, mas não consegui me acostumar. Preferi calejar as mãos e ficar mais
“forte”.
Eu gostava de olhar para as roupas
lavadas e penduradas no varal, e me orgulhava de que eu mesma tinha lavado tudo
aquilo.
Ao ver o quanto eu me sentia
sozinha e triste, o Michelson sugeriu que eu fosse até uma loja agropecuária
que havia perto de casa e verificasse se havia um filhote de cachorro para
doação. Ele sabia que eu gostava muito de cachorros e que também estava
sentindo falta dos três que tinha deixado na casa da minha mãe.
Naquele dia, não havia nenhum
filhote, mas no dia seguinte o dono da agropecuária me ligou e passou o
endereço de uma família que morava ali perto e que estava doando cachorrinhos
com apenas 25 dias de vida. Eram oito filhotinhos para eu escolher. Estava
indecisa, mas o senhor idoso pegou a menorzinha e disse que ela parecia um
pinscher. Nem rabo ela tinha; era só um “toquinho”.
Então a aconcheguei em meus braços
e a levei para casa. Ela não parava de tremer. Por isso, envolvi-a com vários
panos de lã, pensando que ela estava sentindo frio. Depois descobri que ela
tremia sempre que ficava nervosa. A Laila, como a chamamos, foi uma grande
companheira e dona de uma “personalidade” forte. Agitada, bravinha, medrosa,
carinhosa. Ela foi muito importante em minha vida e nunca vou esquecer nossos
doces momentos e da ligação de amor que tínhamos. Ela ficou conosco por 14 anos
e morreu em 2012, por causa de um tumor na boca. Aquele seria um dos dias mais
tristes de nossa vida.
Nossa cachorrinha e grande companheira Laila |
Ele estava tão feliz e realizado
que eu me recriminava por estar tão triste. Eu falava com Jesus o dia inteiro.
Naquela época, aprendi a depender mais de Deus e nossa amizade se tornou muito
mais sólida. Eu gostava de ouvir músicas que me faziam sentir a presença de
Jesus, e sobre a cama eu contemplava o céu que aparecia através da porta do
quarto. Ali eu imaginava Jesus olhando para mim.
Nesses momentos de oração e
contemplação, pedi que Jesus fizesse algo para demonstrar que me ouvia e me
amava. Que Ele me desse um “telefonema” no meio do dia, só para me lembrar:
“Filha, Eu te amo. Você não está sozinha.” Eu sabia disso por meio da leitura
da Bíblia, mas, mesmo sabendo, é gostoso ouvir “eu te amo”.
Então, certo dia, li uma história
sobre como Jesus alegrou o coração de uma mulher acamada, fazendo algo simples,
mas, ao mesmo tempo, improvável. Quando li aquilo, disse para Ele: “É isso
mesmo! É isso que eu quero que o Senhor faça para mim também. Eu vou gostar.”
Foi tão marcante! Desde então, Jesus me “liga” de vês em quando para dizer que
me ama e que está me vendo. É como se tivéssemos um sinal secreto que só nós
dois entendemos. Em momentos de angústia, provação e tentação, Ele me enviou
esse sinal de maneira tão clara e evidente, que seria impossível eu não
reconhecer Sua providência.
*****
Meus sentimentos de confiança e
otimismo haviam mudando depois que deixei minha vida em Santa Catarina. E era
isto mesmo o que eu sentia: que minha vida havia ficado lá, e em Tatuí estava
só o meu corpo. Mas Deus é paciente e bondoso. Ele não muda e permanece fiel.
Ele sabia que eu teria que passar por muitas coisas ainda, para aprender a
confiar e ser feliz novamente. Enquanto eu sofria e vacilava, Ele esteve ao meu
lado o tempo todo, aperfeiçoando meu caráter e moldando meu coração. Assim como
minhas mãos tiveram que ser calejadas, eu também tive que sofrer para me tornar
mais forte.
Mesmo tendo nos mudado para um
lugar dentro do mesmo país, senti dificuldades para aprender a nova cultura
local. Depois de cometer algumas gafes e ser alvo de olhares recriminatórios,
acabei aprendendo lições importantes de convivência.
A primeira dificuldade veio quando
fomos comprar pão na padaria. Meu sotaque era muito diferente da forma de falar
do interior de São Paulo. Tinha que repetir umas cinco vezes o que eu queria,
falando devagar e, às vezes, apontando o dedo. Além do problema do sotaque,
havia também a questão do vocabulário. O pão, por exemplo, tinha nomes
diferentes.
Aproximei-me do balcão e pedi:
– Quero cinco pães de trigo.
A balconista ficou me olhando sem
entender nada. Então o Michelson riu de mim e disse, como bom criciumense:
– Cinco pães d’água, por favor.
A moça continuou sem entender nada.
E foi a minha vez de rir. Então, corrigi:
– É pão francês.
Mas a moça continuava confusa.
Então ela apontou o dedo para o pão e nos perguntou:
– É desse filãozinho que vocês
querem?
– Isso! É o filãozinho! – falei, animada.
Ainda bem que logo aprendi a fazer
em casa um pão integral que, modéstia à parte, é delicioso.
Mas o pior foi ter que me adaptar à
crendice da “lombriga inteligente”. Eu conhecia muitas crendices da minha terra
(região de pescadores, lembra?), mas nunca tinha ouvido falar nessa. Já, já explico.
Quando eu era criança, minha mãe me
ensinou a nunca aceitar nada de estranhos: balas, doces ou qualquer alimento.
Acho que por precaução e por higiene, para a nossa segurança (minha e de meu
irmão). Além disso, mesmo quando visitávamos a casa de amigos e parentes,
recebíamos muitas recomendações para não pedir comida, pois isso seria uma
“falta de educação”.
Por isso, quando era criança, desde
cedo aprendi a ter certo domínio sobre o apetite, e tínhamos que saber esperar
para comer na hora certa. Além disso, tinha que ser a comida que fosse autorizada
pelo “controle de qualidade” dos pais. E isso não era só na minha família. Era
uma questão cultural mesmo. Sempre ouvia pessoas criticando crianças que viviam
comendo na casa “dos outros”. Se eu fosse brincar na casa de uma amiga, no
momento em que era anunciado o almoço, eu já sabia que era hora de correr para
minha casa. É claro que às vezes comíamos na casa de amigos, mas sempre com a
permissão dos pais e somente quando éramos convidados.
Então, ao chegar a Tatuí, fui
surpreendida por um costume totalmente diferente. Há uma crença de que todas as
crianças têm lombrigas e que elas, as crianças, são obrigadas a comer tudo o
que têm vontade, senão as lombrigas “se revoltam” e podem até matar as
crianças. Isso é tão sério que todos ficam preocupados. Se uma criança
simplesmente olhar para alguém que esteja passando na rua comendo alguma coisa,
essa pessoa nem pergunta se a criança pode comer aquele tipo de alimento e já
lhe oferece um pouco.
Alguns chegam ao ponto de permitir
que a criança experimente bebida alcoólica, para que ela sinta o gosto e não
fique com vontade, caso contrário, ela pode adoecer! Fica “lombrigada”.
Não demorou muito para que eu
tivesse meu choque cultural em relação a esse assunto em particular. Sofri
muito para entender por que minhas atitudes em relação à alimentação e ao
domínio próprio não eram bem aceitas – pior, eu parecia ser cruel e insensível para
alguns tatuianos. Com o tempo, aprendi a respeitar as diferenças e passei a
evitar atritos. Mas em nossa casa procuramos seguir as leis de saúde e ter
domínio sobre as “vontades”, para não deixar que elas nos dominem. (Ah, e já
fizemos exames e não temos lombrigas.)
*****
Eu me sentia diferente e
desnorteada. Não sabia mais quais eram os meus objetivos e uma tristeza muito
forte não me deixava fazer planos para o futuro. Passava a maior parte do tempo
sozinha, pois havíamos decidido frequentar a igreja de uma cidade vizinha chamada
Boituva, uns 30 km de Tatuí. Por isso mesmo, eu quase não conhecia irmãos que
moravam em Tatuí, muito menos gente da minha idade e que tivesse as mesmas
afinidades.
Acho que escolhemos aquela igreja
porque ela tinha características semelhantes às daquela que frequentávamos em
Santa Catarina: era pequena, simples, estava em construção e nos sentíamos
úteis ali. Os irmãos eram acolhedores e estavam precisando de líderes, pois o
primeiro-ancião deles havia falecido pouco tempo antes, em um acidente. O
pastor Lessa e a Charlotte também frequentavam aquela igreja e prestavam
auxílio lá. Eles nos davam carona, o que acabou estreitando nossa amizade.
O ano estava chegando ao fim e eu
não queria passar o ano seguinte só chorando e cuidando da casa. O Michelson me
incentivou a estudar para prestar o vestibular e entrar na faculdade. Eu queria
cursar Psicologia, mas não havia esse curso em Tatuí. O mais viável seria
cursar Pedagogia, o que também despertava meu interesse.
– Mas como vamos pagar a faculdade?
– perguntei, meio incrédula. O que sobrava do salário do Michelson naquela
época não daria para cobrir a metade do valor do curso.
– O Senhor proverá – foi a resposta
confiante do meu marido. – Sempre que eu precisei, Deus enviou os recursos. Ele
vai nos ajudar.
No primeiro mês, pagamos a
matrícula e a mensalidade, e ficamos no vermelho. Tivemos que pedir dinheiro
emprestado para comprar comida. Mas não poderíamos continuar assim nos meses
seguintes, senão a “bola de neve” só iria crescer. Eu precisava trabalhar.
Estava aflita e orava ao Senhor, quando o telefone tocou. Era a diretora da
Escola Adventista me chamando para começar a dar aulas naquela tarde!
Era uma unidade de educação
infantil, que funcionava em uma casa alugada no centro da cidade. Minha classe
era bem pequena e os alunos tinham entre dois e quatro anos. Eles eram bem
educados e obedientes e muito amorosos. Nos afeiçoamos rapidamente. Eu saía da
escola correndo, passava em casa e corria novamente para a faculdade, onde
ficava até às 23 horas.
Parecia que tudo estava dando
certo. Eu me relacionava bem com os alunos e os pais deles, apesar de que ainda
tinha muito para aprender sobre educação e pedagogia. Mas acho que não tinha
tanta habilidade para me relacionar com as colegas de trabalho. Meu jeito e
minha cultura não se enquadravam no que elas esperavam, e eu não tinha
experiência para perceber no que precisava mudar.
No fim do semestre, a diretora me falou
que era melhor eu fazer uma “retirada estratégica” e voltar quando estivesse
mais preparada. Fiquei muito magoada na época, e minha autoestima foi lá
embaixo. Estava com vergonha de chegar em casa e dar a notícia ao Michelson. É
claro que chorei por muitos dias.
Para terminar de pagar a faculdade
naquele ano, pedi que me dessem um desconto se eu pagasse tudo de uma vez. Para
isso, utilizei o dinheiro da rescisão do contrato com a escola e o fundo de
garantia. Assim, as mensalidades daquele ano estavam pagas; e o próximo ano
estava nas mãos de Deus.
Algum tempo depois, a Charlotte me
convidou para trabalhar na escola de educação especial que ela havia fundado e
administrava, a Associação Cristã de Educação Especial (Acede). A filha caçula
dela tem deficiência mental, e como não havia em Tatuí uma escola com
princípios cristãos especializada em educação especial, a Charlotte decidiu criar
esse ambiente para a filha e, ao mesmo tempo, ajudar outros pais.
Eu não me sentia preparada para
ensinar àquelas crianças e resisti um pouco, mas acabei indo. Os recursos eram
escassos, pois poucos pais de alunos podiam contribuir financeiramente, e a
escola era mantida por meio de doações. Éramos quase voluntários, pois
recebíamos uma pequena ajuda de custo. Todos faziam o melhor que podiam, e a
Charlotte nos custeava alguns cursos de especialização em educação especial.
Foram anos de grande aprendizado,
em todos os sentidos, principalmente no aspecto emocional. A alegria e as lutas
daquelas crianças com tantas limitações mudaram minha maneira de encarar a
vida. Comecei a ver como todos nós somos imperfeitos de maneiras diferentes, e
precisamos uns dos outros. Somente quando Jesus voltar todas as marcas que o
pecado deixou serão eliminadas.
Meus alunos e eu gostávamos de
ficar planejando tudo o que faríamos ao chegar ao Céu, e orávamos todos os dias
para que Jesus voltasse logo. Hoje, alguns deles já estão dormindo na
sepultura, aguardando inconscientes o dia em que Jesus vai chamá-los pelo nome
e levá-los para casa, com um corpo e uma mente perfeitos e capazes de fazer
tudo o que sonharam, e muito mais. Eu quero vê-los correndo em direção a Jesus
e pulando nos braços dEle. Depois, iremos brincar juntos com nosso querido
Salvador.
*****
Deus estava provendo a cada ano o
que precisávamos. Providencialmente, consegui conversar com o dono da faculdade
e ele me concedeu um bom desconto, deixando a mensalidade pelo mesmo valor que
eu ganhava trabalhando na Acede. Assim, consegui chegar ao último ano sem dever
nada.
Em junho daquele ano de 2001,
cheguei em casa depois das aulas e não conseguia dormir. Estava passando mal e
pensei que alguma coisa que eu havia comido no lanche da noite não tinha me caído
bem. O dia seguinte era feriado e passei o tempo todo na cama. Achei que devia
ser uma virose. Pedi ao Michelson que fosse à farmácia comprar algum remédio.
Ele já estava saindo, quando senti Deus me falando ao coração:
– Que tal fazer um teste de
gravidez?
– O quê?! Será possível? – estranhei.
Só então é que me dei conta de que
fazia tempo que eu não menstruava. A correria era tanta que nem prestei atenção
a esse “detalhe”.
O Michelson voltou rapidamente da
farmácia, aplicamos o teste e logo surgiram os dois risquinhos na fita do teste
de urina, indicando POSITIVO!
Foi a maior emoção da minha vida!
Nós iríamos ter um bebê!