quinta-feira, maio 11, 2006

Capítulo 6 - O primeiro contato

Débora Borges

Da rua eu conseguia ouvir a voz dele. Era fina e estridente e ele falava rápido, de maneira engraçada. O Neco é tio da Teca, mas apenas poucos anos mais velho que ela. De vez em quando, ia até a casa dela para conversarmos. Ele era nosso amigo, gostava de nos dar conselhos e também de nos consultar sobre a opinião das mulheres em relação ao comportamento dos homens. Embora não concordássemos com a atitude dele com as garotas, acabávamos sendo uma fonte de informações úteis.

O Neco era um verdadeiro conquistador. Uma vez teve cinco namoradas ao mesmo tempo! E se divertia contanto os “malabarismos” que fazia para se encontrar com todas, sem que uma soubesse da outra. Apesar desse ponto fraco e do jeito brincalhão, ele tinha muita vontade de servir a Deus e vivia com o coração dividido. Estava sempre envolvido com grupos de jovens da Igreja Católica e seu melhor amigo se preparava para ser padre. Acho que ele gostaria de ser como o amigo, mas não conseguia. Toda vez que nos encontrávamos, ele contava sobre “alguém interessante” que havia conhecido. Ainda assim, ele sempre repetia: “Se vocês querem seguir a Deus, têm que mudar de vida, pois não podem servir a dois senhores.”

Como assim? Eu acreditava que era perfeitamente possível conciliar religião com as minhas vaidades e diversões. Sempre falava com Deus e sentia Seus olhos sobre mim – mas, na verdade, eu queria que Deus me servisse e não eu a Ele...

Fiquei contente ao ouvir a voz do Neco. O que seria dessa vez? Quando me viu, ele fez um “escândalo”.

– Deborinha! – gritou e me pegou no colo, erguendo-me no ar. Ele era como um irmão mais velho para nós.

Logo a conversa começou a girar em torno de religião, pois o Neco havia visitado seu amigo no seminário. Ele disse em tom sério e com os olhos arregalados:

– Vocês nem queiram saber o que está para acontecer com o mundo! Coisas horríveis! Nunca leiam o Apocalipse, senão vocês vão ficar com muito medo e não levarão mais uma vida normal. As sete pragas são horríveis!

Um calafrio percorreu-me o corpo ao ouvi-lo falar. Aquelas palavras causaram-me profunda impressão, de tal forma que não conseguia mais prestar atenção a outros assuntos. Quis logo ir embora e matar a curiosidade, lendo o Apocalipse.

Chegando em casa, procurei o Novo Testamento que havia lido depois da minha festa de quinze anos e abri no Apocalipse. Fui direto ao intertítulo “As sete últimas pragas”. A Bíblia para mim era um livro místico e sagrado. Achava que ninguém poderia decifrá-la ou cumprir suas recomendações, mas cria que era realmente o Livro de Deus. Ler a Bíblia era algo muito solene e eu a estava lendo com o maior temor, movida por uma atração irresistível.

Fiquei perplexa ao descobrir o que acontecerá com este planeta. Continuei lendo várias partes do livro profético e gelei quando encontrei o versículo que diz: “Ai dos que moram sobre a Terra.” Parecia que estava lendo minha sentença de morte. Minha impressão era a de que aquilo não demoraria a acontecer, e fiquei angustiada tentando encontrar uma saída; a salvação.

Não lembro exatamente qual versículo li em seguida, mas foi um que me fez entender que o povo de Deus será salvo e não sofrerá aqueles flagelos. Clamei a Deus no mesmo instante: “Meu Deus! Meu Deus! Não me deixe morrer! Por favor, livre-me e a minha família, e os meus amigos.” Eu queria poder salvar tanta gente... “Me ajude a fazer parte do Seu povo, meu Deus. Quero fazer parte desse povo especial, esteja onde estiver.”

Eu tinha que mostrar aquilo para o meu pai. Tinha que alertá-lo e ver se ele podia explicar melhor o que eu havia lido. Ele me ouviu e ficou pensativo por alguns instantes. Depois disse: “Não tenho conhecimento sobre isso. Mas vou me informar melhor e vamos descobrir o que significa.”

Eu mal podia esperar pela resposta. Pensava no assunto todos os dias e pedia a Deus que me desse uma luz. “Deus, me ajude a entender quando acontecerão essas profecias e o que tenho que fazer para ser salva. Eu serei salva? Envie alguém para me explicar. Será que alguém sabe?”

– Não dá bola para o Neco, não, Tati. Ele gosta de assustar a gente – a Teca disse. Mas não tinha jeito. O que eu havia lido ecoava na mente com insistência e eu precisava compreender o significado.

A solução do meu pai foi me levar a um centro espírita! Ele achava que era o melhor a fazer, pois sua família sempre obtivera ajuda ali e dessa vez ele acreditava que não seria diferente.

Chegamos um pouco antes do horário da reunião. O médium que dirigia o centro nos levou a uma salinha e conversamos sobre trivialidades. Ele começou a explicar alguma coisa do espiritismo kardecista e afirmou que eu também podia ser médium, se quisesse. Então meu pai disse que estávamos com algumas dúvidas sobre a Bíblia. Mas não havia mais tempo para conversa. O médium precisava iniciar uma palestra e pediu que voltássemos noutro dia. Nunca voltamos. Cada vez que planejávamos ir, algo nos impedia.

Uma amiga de infância, que havia sido minha vizinha durante alguns anos, veio me visitar e passar uns tempos em casa. Ela e a família também eram espíritas e um dia, no fim da tarde, enquanto voltávamos da casa da Teca, essa amiga me convidou para ir ao centro espírita. Concordei, sem saber o que Deus estava reservando para mim.

Ao chegarmos em casa, minha mãe surgiu na janela da sala e nos falou:

– Não entrem pela copa porque o teu pai ta lá conversando com uns crentes – e ela não via a hora de eles irem embora, para nunca mais voltar.

– É mesmo? – perguntei, com um sorriso de incredulidade nos lábios. – O pai não é disso...

Nós nos considerávamos católicos, embora em minha casa nunca houvesse muita devoção religiosa. Não me lembro de meus pais irem a uma missa que não fosse data comemorativa. Participei da catequese e fiz a Primeira Comunhão, mais por influência dos amigos do que de meus pais, e porque desde pequena eu realmente gostava de assuntos religiosos. Os principais temas de conversa em minha casa eram a situação política do Brasil e a corrupção.

Quando eu tinha nove anos, fiz amizade com um casal de vizinhos. Eles eram bastante religiosos. Todos os dias o dono da casa lia para seus filhos e para mim histórias do Antigo Testamento. Eu adorava aquilo, mas meus pais começaram a ficar preocupados porque eu falava muito sobre o que aprendia lá e temiam que me tornasse uma “fanática religiosa”.

Agora era o meu pai quem recebia “crentes” em casa para conversar sobre a Bíblia?! A situação era realmente inusitada e me deixou muito curiosa.

– Vou entrar, sim. A casa é minha! Quero ver que tipo de bobagens eles estão falando.

Naquele momento, deixei transparecer todo o meu preconceito arraigado. Para mim, “crente” era o tipo de pessoa emocionalmente desequilibrada, sem cultura e alienada da realidade. Mesmo assim, procurei entrar educadamente em casa. Deparei-me com duas criaturas esquisitas (na minha avaliação inicial): um jovem loiro, de baixa estatura, e um homem de óculos, um pouco mais jovem que meu pai. Ambos trajavam calça social, camisa de mangas longas (num calor de quase quarenta graus!) e chinelos de dedo.

Aquilo era uma aberração para quem gostava de andar na moda e da forma mais descontraída possível. Mesmo assim, as palavras deles me surpreenderam. Meu pai falava da situação caótica do mundo e da “sujeira” na política brasileira. Eles explicaram que tudo isso é um sinal de que o fim está próximo, mas que há solução. Meu pai duvidou e eles revelaram: “A volta de Jesus resolverá todos os problemas.”

Fiquei ainda mais curiosa. Eu não sabia que Jesus havia prometido voltar a este mundo. Então, quando eles mostraram que isso está escrito no Apocalipse, meu interesse redobrou. O tema de nossa conversa agora eram as profecias apocalípticas.

Admirei-me com o conhecimento que eles tinham da Bíblia e como era coerente o que explicavam. Fiquei empolgada e quis fazer muitas perguntas. Mas eles sabiamente disseram que não se pode aprender tudo em um dia e que poderíamos fazer um estudo sistemático do Apocalipse.

Minha mãe ficou furiosa, mas no sábado seguinte lá estávamos reunidos em nossa sala de estar, para o tão aguardado estudo. Meu pai, minha amiga de infância, a Elaine, minha melhor amiga, a Teca, e eu.

Apesar de aceitar conhecer e estudar a Bíblia com os “crentes”, eu estava cega para admitir que aquelas pessoas tão simples, humildes e fora de moda fossem enviadas por Deus para esclarecer minhas dúvidas, conforme eu havia pedido. Naquele momento, eu não tinha a menor ideia de que “Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias” e “escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes” (1 Coríntios 1:27). Para mim, havia sido simples coincidência aqueles homens aparecerem em casa justamente para falar sobre aquilo que eu queria saber.

Era o primeiro contato que eu estava tendo com a verdade. Mas meus olhos ainda precisavam ser abertos. O preconceito devia ser quebrado para que a luz da presença de Cristo finalmente inundasse minha vida.

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