terça-feira, março 21, 2006

Capítulo 4 - Encontro adiado

Débora Borges

Eu estava indecisa, como sempre. Havia gastado meu escasso dinheirinho comprando bugigangas para os parentes, como lembrança da viagem a Aparecida do Norte. Agora precisava decidir o que comprar com meus últimos trocados. Antes de chegar à loja, porém, encontramos dois meninos engraxates, com as roupas e a pele sujas, mas felizes porque haviam ganhado pão com mortadela das freiras que moram na Basílica de Aparecida. Eles vinham pulando, segurando os pães já pela metade, quando nos viram e pararam, como se estivessem vendo artistas de televisão.

– Vocês são lindas, sabiam? Nossa! Olha só que cabelos lindos! Vocês parecem duas princesas! – disse o Cleiton, o mais velho, de uns dez anos de idade. O mais novo se chamava Eder e devia ter uns seis anos. Era mais tímido e tinha os olhinhos mais meigos do mundo.

Já estava esperando que eles nos pedissem algumas moedas, quando surpreendentemente eles estenderam a mão e nos ofereceram seus sanduíches.

– Vocês querem? Podem ficar para vocês. Podem pegar – eles insistiram.

Olhei para a Teca e percebi que ela estava igualmente comovida com a atitude deles. Estavam dispostos a nos dar algo que era tão precioso para eles. A Teca então propôs que juntássemos nosso dinheiro para comprar um presente para eles. Assim, eles foram embora contentes, cada um com seu brinquedinho.

Depois da boa ação, lá estava eu, tentando decidir com o que gastar os últimos cruzeiros que me restavam. Com uma das mãos, segurava uma pequena Bíblia de capa marrom, com zíper. Com a outra, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Quando vi que poderia ter uma Bíblia, fiquei surpresa. Não pensava que ela me pudesse ser acessível. Achava que era tão difícil ter uma Bíblia... Mas ali estava ela, bem ao meu alcance. Seria interessante poder conhecer as Escrituras. Mas, por outro lado, aquela imagem era tão cativante e me trazia a esperança de conseguir as graças pedidas. Além disso, ela poderia ficar “triste” se fosse rejeitada, eu pensava. E era um pouco mais barata do que a Bíblia, o que me deixaria ainda com uns centavos para o sorvete.

– Anda logo, Tati! Escolhe de uma vez!

– Tá bom, Teca. Vou levar a Nossa Senhora.

Não ia ser dessa vez que eu conheceria a mensagem de Deus para mim em Sua Palavra. Esse encontro teria que ser adiado um pouco mais.

*****

A Teca e eu nos tornamos grandes amigas quando eu tinha doze anos. Desde pequena, eu a considerava linda. Seus cabelos longos e escorridos chamavam atenção por onde ela passava. Eles balançavam e brilhavam quando ela caminhava, e quando eu a via, até suspirava com vontade de ser daquele jeito. Ela estava sempre tão arrumada. Andava de forma tão elegante e era tão meiga e simpática que todos gostavam dela. Eu queria tanto ter os cabelos longos, mas eles eram tão crespos e rebeldes que pareciam desafiar a lei da gravidade. Isso me rendia apelidos e lágrimas diante do espelho.

Aos doze anos, uma amiga comum nos apresentou e finalmente consegui ser amiga da Teca. Era Verão e nós íamos à praia todos os dias. Passávamos horas tomando sol e aplicando chá de camomila nos cabelos, para deixá-los mais claros. Nos divertíamos muito caminhando pela praia e conversando com amigos e amigas. Mas, nos fins de semana, era a maior frustração. Nossos pais não nos deixavam sair à noite, e morríamos de vontade de ir à danceteria, como nossas amigas faziam. Meu sonho era completar quinze anos para ter mais liberdade. Pior é que a Teca completaria quinze anos naquele ano e eu ainda teria que esperar três anos para isso. Mas quem disse que nós conseguimos esperar? Eu era muito ansiosa. Queria experimentar grandes emoções; encontrar um grande amor...

*****

Eram duas horas da manhã quando a chuva passou. Parecia possível ouvir as batidas do meu coração. Eu estava suando, apesar do frio daquele Inverno. Com os sapatos na mão, abrimos a janela o mais silenciosamente possível. Do lado de fora, já havia um tijolo bem posicionado para colocarmos os pés, sem precisar pular. Passamos abaixadas e tremendo embaixo da janela dos pais da Teca, que dormiam sem desconfiar de nada. A estrada de uns seis quilômetros que nos levaria ao nosso destino tinha os três primeiros quilômetros enlameados e escuros. Seguramos a mão uma da outra e corremos o máximo que pudemos. Não dava nem para sentir o chão frio e o barro sujando a meia-fina, de tão assustadas que estávamos. Eu repetia em voz alta a frase que havia aprendido do meu pai: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”

Apesar de estar fazendo algo errado, eu acreditava que Deus jamais me abandonaria e iria me proteger em qualquer circunstância. Achava até que Ele nos ajudaria em nossos planos para nos divertir, afinal, não bebíamos, não fumávamos e também não “ficávamos” com ninguém. Apenas “curtíamos” o amor platônico e nos contentávamos em olhar e sonhar... Queríamos tão-somente estar onde todos estavam, dançar, sorrir, ver e ser vistas. Nossos pais não entendiam esses desejos. “Mas Deus entende”, eu pensava, em minha inocência infantil.

Ao chegar perto da danceteria, calçamos as botas nos pés enlameados. Felizmente, ninguém percebeu a sujeira, pois eram botas de cano longo, até a altura do joelho. Só nós sentíamos a dificuldade de andar com classe e dançar com os calçados cheios de pedrinhas.

A princípio, achei aquele ambiente muito estranho. Eram tantas luzes e cores, mas ao mesmo tempo tão escuro, que me senti um pouco tonta. Sem falar no som ensurdecedor. Era como se estivesse sonhando, e as pessoas fossem sombras. Mas acabei me acostumando e entrando no “clima”.

A noite passou rápido e a hora de ir para casa havia chegado. E agora? Será que os pais da Teca teriam acordado e sentido nossa falta? Será que haveria um carro de polícia na frente da casa, nos esperando? O que aconteceria se nossos pais descobrissem o que havíamos feito? A angústia do caminho de volta foi terrível, e tivemos tempo suficiente para pensar em tudo o que poderia acontecer. Tinha a impressão de que não iria suportar a tensão de voltar pela janela novamente, sem fazer barulho.

Com o tempo, aquelas saídas começaram a me desgastar emocionalmente e a consciência começou a pesar. Só em pensar na reação dos meus pais, o pânico tomava conta de mim. Assim, decidi que não valia a pena correr o risco. A Teca era mais obstinada e continuou saindo, mesmo sem mim. Numa noite, ela insistiu para que eu a acompanhasse e prometeu que seria a última vez. Quase cedi, mas algo me dizia que não deveria ir e não consegui vencer o medo, apesar dos apelos dela. Naquela noite, alguém ligou para a casa da Teca contando onde ela estava. Os pais dela foram buscá-la. A reação deles foi boa: depois de um castigo e uma longa conversa, ficou acertado que o pai dela a levaria e buscaria nos horários combinados. Mas no meu caso, não sei o que aconteceria, pois eu era mais nova e meu pai sempre dizia com certo exagero (em se tratando daqueles ambientes) que as danceterias eram “antros de prostituição”. Ainda bem que eu permaneci firme em minha decisão...

*****

Meus quinze anos demoraram um século para chegar. Enquanto isso, eu saí escondida mais algumas vezes, mas não mais pela janela. Simplesmente ia dormir na casa da Teca e a acompanhava à danceteria, já que agora ela tinha permissão. Outras vezes, meu pai acabou permitindo que eu saísse, desde que um adulto responsável fosse junto.

Na verdade, quando completei quinze anos, a vida noturna já havia perdido o encanto. Mesmo assim, ter mais liberdade não deixava de ser muito bom. A expectativa para a festa também era grande: a decoração, os convidados, o vestido, a valsa... Era a realização de um sonho.

Débora e Teca, na festa de 15 anos
No dia seguinte ao da festa, comecei a rever os presentes. Que gostoso ganhar tantos de uma só vez! Entre eles, havia um diário, e aquela manhã parecia uma boa ocasião para inaugurá-lo. Era antevéspera de Natal. Então comecei a escrever sobre o sentido do Natal e sobre o nascimento de Jesus. Logo passei a meditar sobre a vida de Cristo e Sua morte na cruz. Quando me dei conta, lágrimas desciam pela minha face, ao pensar em tudo o que Ele havia sofrido. Senti que Jesus me amava profundamente e de alguma forma aquele sacrifício fora também por mim. Mas eu não entendia como aquilo mudava a situação da minha vida – ou da vida de qualquer outra pessoa. Eu sempre ouvia dizerem que Jesus morreu por nós, mas e daí? As coisas continuavam iguais: os homens pecando e as pessoas sofrendo cada vez mais. O que mudou com a morte de Jesus? Eu achava que o plano de Deus para nos salvar não tinha dado muito certo. Que pena... Aqueles homens horríveis, por que haviam feito aquilo com Jesus?

Eu meditava sinceramente, enquanto chorava sem parar. Nunca havia pensado em Jesus daquela maneira. Sempre conversava com Deus e com Maria, mas nunca havia me dirigido a Jesus. Estava brotando um amor que transformaria minha vida, de uma forma que eu nem sequer imaginava.


O diário
Minhas idas à danceteria agora eram mais frequentes. Mas, ao contrário do que esperava, o vazio e a ansiedade que eu sentia só haviam crescido. Parecia que faltava algo em minha vida, mas eu não sabia o que era.

Certa noite, ao chegar em casa, não consegui dormir. Não sei como, me deparei com um exemplar do Novo Testamento, daqueles pequenos que são distribuídos gratuitamente. Estava em cima da mesinha da sala de estar e parecia me chamar. Eu sentia que ali poderia encontrar as respostas que desejava. Abri a última página. Havia um índice indicando a passagem certa para várias situações: para quem está triste, com medo, desanimado, indeciso, etc. Acabei lendo tudo. Amanhecia quando terminei de ler os textos. Aquela foi a primeira vez que li a Bíblia. E quanto mais lia, mais queria conhecer. Algo estava acontecendo dentro de mim. Deus estava abrindo meu coração para receber a verdade e a salvação de Jesus.

O encontro havia tempos adiado finalmente estava acontecendo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Oi...
muito interessante a sua história. tb não gostava muito do meu cabelo cacheado... mas hj já o aceito melhor e tb faço escova, né.

Q bom q vc aceitou o chamado de Jesus.
Estou lendo a história de vcs e estou gostando muito.