sexta-feira, novembro 03, 2006

Capítulo 13 - Aquele dia à beira-mar

Michelson Borges

Não que fosse um hábito o que eu estava prestes a fazer (e eu até não considerava isso como coisa de cristãos espiritualmente maduros). Mas, diante das circunstâncias, eu precisava ter certeza de que minha atitude estava realmente de acordo com a vontade de Deus. Pensei na resposta que Gideão pediu a Deus [Juízes 6] e fui em frente com meu teste.

O céu noturno estava nublado, o que, humanamente falando, reduzia minhas chances. No dia seguinte – quarta-feira, 20 de abril de 1994 –, iria (ou não) me declarar à Débora. Precisava muito que Deus me orientasse, por isso fiz uma oração e estabeleci a condição: se não chovesse na tarde do dia seguinte, iria propor o namoro. Se chovesse – o que era mais provável, levando-se em conta as condições climáticas daquela noite de terça-feira –, desistiria do meu intento. Assim, saberia com certeza qual era a vontade de Deus (a despeito da imaturidade deste filho, para Deus essa prova era bem simples, pensei).

Para mim não havia dúvidas quanto a ela ser a pessoa ideal, mas jamais tomaria uma decisão tão séria sem consultar meu amigo Jesus, porque “há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte” (Provérbios 14:12). Um dia eu aprendi o quão importante é manter um relacionamento pessoal e íntimo com Deus. Eu sabia que já não podia viver sem meu Criador, por isso coloquei cada aspecto da minha vida nas mãos dEle. Era Ele quem deveria dizer se aquela deveria ou não ser minha futura namorada e, quem sabe, esposa, afinal, “a mulher prudente vem do Senhor” (Provérbios 19:14).

Como pude aprender logo após minha conversão, a vida devocional é extremamente importante. Martinho Lutero, quando sabia que ia ter um dia atarefado, levantava ainda mais cedo para dedicar tempo à sua comunhão com Deus. E se houve alguém ocupado neste mundo, esse foi Jesus. No entanto, lendo os Evangelhos percebi que Ele reservava muitas horas para estar em contato com Seu Pai. Se Ele, sendo o Deus Filho, necessitava de oração (em Sua condição humana aqui na Terra), quanto mais eu, um simples mortal.

Depois que li o livro Como Tornar Real o Cristianismo, de Morris Vendem, minha maneira de encarar o cristianismo prático foi radicalmente transformada. Percebi que não bastava um conhecimento teórico da mensagem bíblica. Cristianismo é relacionamento. Se não nos relacionamos com Deus por meio da oração (conversa franca e amiga) e do estudo devocional da Bíblia, logo “esfriamos” espiritualmente, restando um vazio, um vácuo na alma que nenhuma outra coisa ou realização (mesmo o sucesso profissional e acadêmico) preenchem.

Percebi que era preciso me esforçar para desenvolver o hábito da devoção diária. Escolher um momento mais apropriado (pela manhã, à tarde ou mesmo à noite) em que eu pudesse dedicar alguns momentos a sós com Deus. Aos poucos, constatei também que não mais conseguia ficar sem esses momentos e que eles me ajudavam até mesmo a lidar com todas as atividades que requeriam minha atenção. A princípio, parecia difícil, e Satanás fez de tudo para atrapalhar. Mas, de acordo com Venden, eu não podia desanimar. Continuei me esforçando. E os resultados desse esforço têm compensado.

O sono demorou a vir devido à ansiedade – o dia seguinte poderia mudar minha vida para sempre e eu sabia disso. Embora confiasse totalmente em Deus, eu sabia que tinha uma parte a fazer, afinal, “ovo não dá em porta de geladeira”. Era essa a parte que mais me assustava. Se realmente não chovesse, o que eu deveria dizer a ela? Como iniciar a conversa? Em que lugar? Com essas perguntas me inquietando, finalmente adormeci.

*****

Pela manhã, tive uma desagradável surpresa: nuvens carregadas ainda cobriam o céu e uma chuva fina caía. Fiquei decepcionado. Mas me consolei ao lembrar que tudo estava nas mãos de Deus, e que Ele por certo faria o que fosse melhor para mim – e para ela.

Fui até o prédio do Centro de Comunicação e Expressão, na Universidade Federal, mas não consegui prestar muita atenção às aulas de jornalismo daquela manhã. Mesmo observando as condições do tempo pela janela da sala de aula não perdi a esperança. “Para Deus não existem impossibilidades”, repeti para mim mesmo, enquanto ensaiava mentalmente o momento em que me declararia à Débora.

Encerrada a aula, passei rapidamente na Coordenadoria de Apoio a Eventos e Informações (espécie de departamento de publicidade da Universidade, onde eu trabalhava como desenhista bolsista). Na verdade, esse trabalho foi uma bênção para mim, pois não era necessário cumprir expediente como os outros bolsistas. Eu ganhava um salário mínimo por mês, com o qual pagava o aluguel da pensão e outras despesas. O problema é que quando havia muito trabalho eu tinha que dar conta, ainda que precisasse virar noites. Naquele dia, como nunca antes, torci para não haver nenhum serviço de última hora. Graças a Deus, estava tudo sob controle e minha presença não se fazia necessária ali. Voltei para a pensão e almocei.

Devia me encontrar com a Débora às dezesseis horas, em frente ao shopping onde ela trabalhava, na Avenida Beira-Mar Norte. Aquela agradabilíssima conversa que havíamos tido na sorveteria, no domingo anterior – durante a qual procurei deixar bem claros (ainda que não de forma explícita) meus sentimentos por ela e a certeza de que o que sentia pela Rafaela era apenas amizade –, acabou me encorajando bastante a fazer-lhe um novo convite. Lembrei-me de como havíamos combinado tudo:

– Posso passar aí para levar você até o terminal de ônibus? – perguntei-lhe.

– Claro! – ela respondeu de forma espontânea e alegre, o que me encorajou a fazer a segunda pergunta.

– Você gosta de caminhar?

– Gosto, por quê?

– Porque eu pensei... que tal irmos a pé pela beira-mar até o centro? Poderíamos conversar e...

– Acho uma ótima ideia – disse ela, sem esperar que eu terminasse a frase.

A oportunidade ideal havia sido criada. Só faltava “aquele” sinal de Deus pelo qual eu ainda aguardava, quando fui tomar banho aproximadamente às 14h30. Espiei pela janela do meu quarto e observei a chuva fina que ainda caía. Entrei no banheiro e enquanto me banhava elevei a Deus uma última prece para que se fizesse a vontade dEle e que eu pudesse aceitá-la. Às vezes, num momento de empolgação, suplantamos a razão e acabamos sofrendo as consequências de decisões precipitadas. Por isso, mesmo estando certo quanto a meus sentimentos, entreguei o caso mais uma vez ao Senhor.

Ao abrir a porta do banheiro, que dava para um corredor a céu aberto, um calafrio percorreu-me a espinha. Era inacreditável! Em poucos minutos – o tempo do meu banho –, o céu tinha ficado limpo e o sol brilhava com toda a intensidade. Mal podia acreditar naquilo. Era bom demais para ser verdade! Entrei em meu quarto e, emocionado, ajoelhei-me e agradeci a Deus por ter me respondido de forma tão clara. Agora tinha certeza absoluta de que devia revelar meus sentimentos e intenções à Débora. O maior problema era a coragem para fazer minha parte.

A hora de encontrá-la estava chegando. Demorei mais tempo do que de costume para me arrumar naquele dia – é claro que fiz a barba de forma caprichada dessa vez. O frio na barriga aumentava à medida que os ponteiros do relógio avançavam. Tentei me recriminar por estar agindo como um adolescente, mas não adiantava. Meus sentimentos estavam além do controle da razão.

Ajustei a gravata e dei uma última olhada no sermão. Naquela noite pregaria na Igreja Adventista da Barra do Aririú, a mesma que a Débora frequentava. Provavelmente conheceria o pai dela naquela noite. Peguei a Bíblia e o hinário, e, de paletó nos braços, tomei o ônibus que me deixaria em frente ao shopping.

Fiquei lendo a Bíblia (tentando me acalmar em vão) enquanto a esperava, sentado na borda de uma floreira em frente ao prédio do shopping. Poucos minutos depois, três moças surgiram em minha frente. Eram a Débora e duas amigas dela. Ela, graciosa como sempre, despediu-se das amigas e, juntos, dirigimo-nos à passarela da Avenida Beira-Mar Norte.

Avenida Beira-Mar Norte

Conversamos sobre muitos assuntos enquanto eu procurava um local apropriado para levar a cabo minha “missão”. Cerca de um quilômetro depois, chegamos ao trapiche onde atracam barcos de passeios turísticos. Era fim de tarde e como não havia ninguém ali, convidei-a para nos assentarmos e descansar um pouco. Ela ficou (ou fingiu) surpresa com o convite, mas aceitou de pronto.

Sentamo-nos mais ou menos no meio da plataforma de concreto em forma de “T”, que se estende uns 20 metros mar adentro. A paisagem era maravilhosa. O Sol começava a descer no horizonte montanhoso ao longe, refletindo seus raios avermelhados nas águas sob nossos pés. Não muito longe dali estava a ponte Hercílio Luz, o mais famoso cartão-postal de Florianópolis. À nossa frente, do outro lado do canal marítimo que separa a Ilha do continente, estava o bairro Estreito, com seus prédios e casas à beira-mar.

Trapiche da Beira-Mar Norte: um local muito especial

Uma brisa fresca começava a soprar encrespando as águas azul-cinzentas. Vesti meu paletó tentando parar de tremer, mas sabia que a tremedeira não era por causa do frio. Ficamos em silêncio por alguns instantes. Estávamos a cerca de um metro de distância um do outro, por isso convidei-a para se sentar mais perto de mim. Mas ela respondeu sorrindo: “Não, aqui está bom.” Em seguida, com uma pedrinha, começou a riscar um coração na laje de concreto do trapiche, e perguntou:

– Por que será que dizem que o amor vem do coração?

– É porque o coração produz dois movimentos: a cístole e a diástole. Além disso, tem dois ventrículos e duas aurículas... Tudo duplo, percebe? Como o amor envolve duas pessoas...

– É verdade? Isso tem algo a ver? – ela me interrompeu.

Eu ri da aparente ingenuidade dela e disse:

– É brincadeira. Eu acho que é porque a Bíblia, refletindo o pensamento da antiguidade, diz que o coração é a sede dos sentimentos e Cristo disse que dali vêm os bons e os maus propósitos.

Compreendendo a insinuação, perguntei meio tímido, sem conseguir esconder o brilho em meus olhos e uma certa hesitação na voz:

– Por que você pergunta?

– Por nada, não... – ela respondeu sorrindo, baixando os olhos.

O silêncio voltou a imperar por alguns segundos. Enquanto olhávamos para o mar, tentei criar coragem. O sol já estava meio escondido no horizonte.

– Você quer colocar meu paletó? Está ficando frio...

– Obrigada. Mas não estou com tanto frio assim.

– Bem... Eu estou tremendo, mas acho que não é mesmo de frio.

Silêncio de novo. Comecei a balançar os pés no ar e convidei-a a fazer o mesmo. “Ah, é! E se o meu sapato cair no mar?”, perguntou-me sorrindo. Disse-lhe que pularia na água para salvá-lo.

Silêncio outra vez.

Dessa vez, respirei fundo e disse:

– Eu tenho algo para lhe falar...

– O quê?

– Você já sabe, não é?

– Eu não... Nem imagino – respondeu-me, com ar de fingimento.

– Você não é boba, né? É que eu... eu estou gostando de você – a última frase saiu quase como um desabafo. Agora era tarde para arrependimento. O que disse estava dito.

– Nem você é bobo. Certamente também já sabe que eu sinto algo por você. Mas... o que você quer que eu diga?

– Que me dê uma resposta.

– Não sei ainda... Espere um pouco. Vai depender da Rafaela.

Fiquei meio confuso com aquela resposta. Achei que tinha deixado claro que não sentia nada pela amiga dela. Por que isso de novo? Havia ensaiado aquela cena e aquele diálogo centenas de vezes em minha mente, mas confesso que aquele não era exatamente o desfecho que eu esperava.

Graças a Deus, minhas dúvidas e incertezas durariam pouco. Antes de voltar do culto na Barra do Aririú, a Débora me daria uma pequena demonstração de que enfim aceitava minha proposta de namoro.

Avenida Beira-Mar Norte à noite, vista do Estreiro
Ponte Hercílio Luz: cartão postal da Ilha

6 comentários:

Anónimo disse...

Michelson e Débora.

Gosto de ler a história de vocês,
acho bonita.
Continue postando,quero ler os próximos capítulos.
Ficarei aguardando,mas não demore.
Um abração

Jocilene Bravim.
Cariacica ES.

Anónimo disse...

Caros MIchelson e Debora

Romances, se assim posso chamar o estilo literário desta parte do blog, são o tipo de literartura que não sou muito fã.
Porém existe pontos especiais nesta estoria de vcs que me fazem continuar lendo e desejar os próximos capitulos.
A 1ª: Em alguns pontos, esta estoria se parece com a minha e de minha esposa;
A 2ª: O personagem principal desta estoria não é Michelson ou Débora, é Jesus.
A 3ª: O talento literário de vcs é muito bom,nào que eu seja um expert em literatura!!
A 4ª:A linguagem de vcs é simples e direta.
A 5ª: VCs demostram ser simples e humanos
A 6ª: Vcs são corajosos para se exporem, mesmo que seja falando de "erros" e decepções do passado
A 7ª: A estoria demonstra que Jesus se importa com os minimos detalhes de nossa vida. Até com quem namoramos ou somos amigos.

Bem,paro na 7ª.Sete não é número de perfeição?

Saudações
Claudo Almeida
Vila dos Cabanos Pará
cwpa2@yahoo.com.br

Marily Sales dos Reis disse...

Débora e Michelson

Tem sido um prazer acompanhar cada capítulo dessa história, tão bem escrita, envolvente e romântica. Mas, acima de tudo, tem sido uma inspiração acompanhar sua história de conversão e consagração a Deus.

Numa sociedade como a nossa, de tantos relacionamentos e casamentos destruídos, é uma motivação ver casais como vocês, que conseguiram construir um amor sólido, maduro, verdadeiro e duradouro, baseado em Cristo, desde o começo.

Realmente, vale a pena submeter os sentimentos a Deus! É graças a Ele, e unicamente a Ele, que eu e meu marido também continuamos firmes e fortes, unidos por um amor cada vez maior. Como diz uma das nossas músicas favoritas, "se o amor [Deus] uniu, nada pode separar".

Que Deus continue sendo eternamente o elo entre vocês dois!

Um grande abraço.

Marily

Andréia disse...

Por favor poste logo o proximo capitulo, não aguento mais esperar. hehehehe
Bjs

Para uma Vida Melhor. disse...

Michelson e Débora.

A história de vocês é realmente muito linda.Oro para que a minha seja assim também.

Aguardo com ansiedade os próximos capítulos...

Que Deus continue abençoando vocês...

Tudo de bom...

Um abraço.



Editte.

Anónimo disse...

hola pr. e esposa, parabens pelo ebook, o blog de saude e de criacionismo!(a tira do cetico sobre o horoscopo foi mto boa) sao uma bençao :)
pr. michelson eu li o seu livro sobre o poder dos meios de comunicaçao no colegio(parte do programa escolar) e me ajudou a comecar a avaliar os filmes, musicas, etc q custumava utilizar.. mesmo q os psicologos digam q as mensagens subliminares nao fazem efeito na mente, nem manipulam acredito q so o fato de assistirmos um filme q nao e criado por servos de Deus vai transmitir valores errados q nao nos ajudaram em nda.
Muito obrigado pelo trabalho q estao fazendo,
Juliana.