segunda-feira, dezembro 18, 2006

Capítulo 15 - Conflitos no campus

Michelson Borges

Não me lembro se era aula de Sociologia ou Filosofia. Só sei que naquele dia a discussão descambou para religião. “O cristianismo provou que não é boa coisa para a humanidade. Basta lembrar-se de quantas pessoas foram mortas pela Inquisição e pelas Cruzadas”, disparou meu colega de classe, ateu e comunista de carteirinha.

Nunca gostei de criar polêmica, mas diante do que ele havia dito eu não poderia ficar calado. Disse a ele que as ideologias materialistas promovidas por Hitler, Stalin, Pol Pot e outros foram responsáveis pelo extermínio de mais de cem milhões de pessoas. A Inquisição matou umas três mil pessoas – o que é deplorável –, mas o ateísmo político matou muito mais.

Também fiz meu colega ver que o verdadeiro cristianismo praticamente nunca existiu, assim como o comunismo também não. Na verdade, o “comunismo” só existiu uma vez na história, e foi nos tempos da igreja cristã primitiva, quando os discípulos vendiam tudo o que tinham e depositavam num caixa comum (cf. Atos 4:32-35). Comunismo e igualdade não funcionam quando o coração não é convertido.

Admitindo que havia feito confusão entre cristianismo e catolicismo, meu colega passou a questionar a existência de Deus, afirmando que essa é uma ideia ilógica. O professor e os demais colegas pareciam entusiasmados com o assunto e me senti encorajado a prosseguir:

– Já que você falou em lógica, pense no seguinte: (1) Tudo o que teve um começo tem uma causa; (2) o Universo teve um começo; (3) portanto, o Universo teve uma causa. É pura lógica, concorda? – obtendo o assentimento dele, continuei:

A premissa número 1 é a lei da causalidade, um dos princípios fundamentais da ciência. Mas será que a premissa número 2 está correta? O Universo teve começo? A primeira prova disso vem da segunda lei da termodinâmica. De acordo com essa lei, a cada momento que passa a quantidade de energia utilizável está ficando menor, o que significa que um dia toda a energia útil terá se esgotado e o Universo morrerá. Já a primeira lei da termodinâmica afirma que a quantidade de energia no Universo é constante, ou seja, finita. (Essas informações estavam frescas na memória de todos, pois havíamos passado recentemente por um vestibular bastante disputado.)

Pois bem, o Universo estaria sem energia neste momento se estivesse funcionando desde toda a eternidade, certo? Mas o Sol ainda brilha, a vida ainda existe, o que significa que o Universo deve ter começado em algum tempo no passado. E é exatamente isso o que diz a Bíblia: tudo o que existe foi trazido à existência do nada.

Notem bem: em algum tempo passado, no princípio, Deus criou tempo, espaço e matéria. Não havia leis naturais antes da Criação. E uma vez que a causa não pode vir depois de seu efeito, as leis naturais não foram responsáveis pelo surgimento do Universo. Quem foi responsável, então? Alguém acima da natureza e sobrenatural é que fez isso.

Também é bom lembrar que as leis que regem o Universo são finamente ajustadas. O cosmos não é apenas um amontoado de matéria desorganizada. Pense na força da gravidade, por exemplo. Se ela fosse um pouco mais forte, a Lua seria atraída para a Terra e ambas despencariam no Sol; se fosse um pouco mais fraca, não teríamos atmosfera com os gases necessários à manutenção da vida em nosso planeta.

Se a força dos núcleos (prótons e nêutrons) fosse apenas alguns por cento mais forte, o Universo ficaria sem hidrogênio. Estrelas como o Sol – para não mencionar a água – talvez não existissem. De onde veio toda essa ordem? É a velha história do relógio que não pode existir sem o relojoeiro. Sem essa ordem toda a vida não seria possível.

E por falar em vida, como explicar que a informação encontrada apenas no núcleo de uma pequena ameba seja maior do que os 30 volumes combinados da Enciclopédia Britânica, e que a ameba inteira tenha tanta informação quanto mil conjuntos completos da mesma enciclopédia?

Se alguém aqui estivesse caminhando pela praia e encontrasse uma frase escrita na areia e alguém lhe dissesse que a frase, por mais simples que seja, tivesse sido produzida pelo incessante bater das ondas ou pelo vento, vocês certamente não aceitariam isso. Mas, por incrível que pareça, é o que muitos fazem quando o assunto é a tremenda informação complexa e específica que determina quem somos.

Aquelas informações me eram bastante familiares, pois eu havia dedicado alguns anos à pesquisa sobre a controvérsia entre o evolucionismo e o criacionismo – pesquisa que acabou originando, tempos depois, o livro A História da Vida – De onde viemos, para onde vamos, impresso pela Casa Publicadora Brasileira.

Eu havia sido evolucionista por muitos anos, embora nunca houvesse negado a existência de Deus. Cria sinceramente que a macroevolução havia sido responsável pelo surgimento da primeira forma de vida e pela diversificação dela. Mas tive uma surpresa quando descobri que existia outra maneira de entender a origem da vida: o criacionismo. Na época, aqui no Brasil, esse assunto quase não era abordado pela imprensa.

Foi com muita surpresa que descobri que as bases do pensamento evolucionista não são assim tão sólidas. Na área da Geologia, os intervalos de tempo no registro geológico permanecem um mistério indecifrável. Faltam sinais de erosão entre as camadas da coluna geológica. Se cada extrato ficou exposto às intempéries por milhões de anos, onde estão esses sinais? As camadas são planas, o que sugere deposição rápida em algum evento catastrófico hídrico.

Outra fragilidade do evolucionismo são as lacunas no registro fóssil e as extinções em massa. Os fósseis bem preservados nos dizem que os animais foram sepultados e mineralizados muito rapidamente, sem se decompor ou ser devorados por outros animais. Um bom exemplo são os fósseis de Santana do Araripe, no Ceará. Na parte superior da formação há os ictiólitos (peixes), com órgãos e até mesmo a cor das escamas preservados. Como pude perceber depois, em conversas com geólogos, em condições normais, esse tipo de fossilização não ocorre.

Quando li o livro A Caixa Preta de Darwin, do bioquímico Michael Behe, minhas dúvidas em relação ao darwinismo aumentaram ainda mais. Behe trata dos sistemas de complexidade irredutível que necessitam de partes múltiplas para funcionar; se uma parte é removida, o sistema não funciona mais.

Numa entrevista que me concedeu anos depois (e que foi publicada em meu livro Por Que Creio), Behe explicou: “Para Darwin e seus contemporâneos do século dezenove, a célula, por exemplo, era uma ‘caixa preta’. Era simplesmente muito pequena, e a ciência daquela época não dispunha de ferramentas para investigá-la. Os microscópios daquele tempo eram bem rudimentares e as pessoas podiam ver só os contornos da célula. Assim, muitos cientistas pensavam que a célula era bastante simples, como um pedacinho de gelatina microscópica.

“A partir daquela época, a ciência tem mostrado que a célula é um sistema extremamente complexo, que contém proteínas, ácidos nucléicos e diversos tipos de ‘máquinas miniaturizadas’. No meu livro eu examino várias dessas ‘máquinas’ e argumento que a seleção natural darwiniana não pode tê-las produzido justamente por causa do problema da complexidade irredutível.

“Acredito que tais sistemas são mais bem explicados como o resultado de um deliberado planejamento inteligente. E eu cheguei a essa conclusão por um tipo de argumento lógico indutivo: sempre que vemos tais sistemas no mundo real, no mundo macroscópico de nossa vida cotidiana, concluímos naturalmente que eles foram, de fato, projetados. Ninguém se depara com uma ratoeira e se pergunta se foi projetada ou não.”

Depois daquela conversa em sala de aula, meu colega ateu passou a tomar mais cuidado com suas observações relacionadas à religião. Além disso, meus colegas nutriram maior respeito por mim e perceberam que é possível ser “crente” e um ser pensante ao mesmo tempo.

Prédio da reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina
Ainda bem que eu sabia em que cria e havia tido tempo de solidificar minhas convicções antes de ingressar na universidade. Mesmo assim, me impus o esforço adicional e ler muito material sobre ciência, religião, apologética e filosofia, além das muitas leituras exigidas pelo curso. A Bíblia era meu livro de cabeceira e sempre dediquei tempo para estudá-la. Desses momentos em comunhão com Deus e com a Palavra dEle vinha minha força para enfrentar os desafios da vida universitária.

O ambiente secularizado do campus não deixou de exercer forte pressão sobre minha fé e meus princípios. Vi colegas abandonarem suas crenças em nome de uma suposta liberdade de pensamento. Mas essa liberdade muitas vezes se traduzia no uso de drogas e na libertinagem. Colegas fumavam maconha abertamente e iniciavam a semana narrando suas aventuras sexuais.

Certa vez, fui contratado por uma colega formanda para produzir algumas ilustrações para o trabalho de conclusão de curso dela. O assunto da matéria de capa do jornal era educação sexual, e ela, de maneira insinuante, se convidou para ir ao meu apartamento discutir as imagens. Disse-lhe que preferia tratar do assunto ali mesmo, no curso, e ela me olhou como se eu fosse um “alienígena”.

Deixei de participar de muitos eventos, como encontros de comunicação em outros Estados, por saber que nas excursões “rolava de tudo”. Era inevitável o choque de valores, por mais que eu procurasse ser amigo de todos.

É verdade que também houve momentos que me deixaram feliz, como quando a secretária do curso me ofereceu um cafezinho e gentilmente recusei. Estava ali perto um colega de classe cujos cabelos cacheados chegavam quase à cintura. Ele era guitarrista de uma banda da capital. Aproximando-se de mim, ele perguntou em tom jocoso: “O quê? Não bebe café também? Sua religião não permite?” Educadamente falei sobre os males da cafeína e apresentei alguns dados de pesquisas que havia lido. Disse também que não era escravo da minha religião, mas que a Bíblia, como “manual da vida”, nos dá conselhos para ter boa saúde física, mental e espiritual. Ele ouviu atento, olhou para o copinho plástico que tinha na mão e jogou o líquido fumegante no lixo. Depois acrescentou: “Sabe que você tem razão?”

Sempre procurei não ser dogmático e respeitar a opinião de todos, permitindo que minha postura falasse mais alto que minhas palavras. Nunca me esqueci do conselho de Francisco de Assis: “Pregue em todo o tempo; se necessário, use palavras.”

Um dia, quando estava na fila da fotocopiadora, um colega viu o chaveiro com o logotipo dos jovens adventistas que eu carregava no bolso da calça e me perguntou se eu era adventista. Quando disse que sim, ele me contou que havia estudado alguns anos na escola adventista do município de Tubarão e que admirava muito a filosofia da igreja. Convidei-o para estudar a Bíblia e ele não apenas concordou como convidou outro amigo. Estudamos o Apocalipse por vários meses em meu apartamento e desenvolvemos grande amizade. Hoje esse amigo é jornalista em Brasília. Uma pessoa ética e correta. Nos tempos de faculdade, ele me chamava de “meu pastor”. Que responsabilidade!

A despeito dessas oportunidades evangelísticas, eu sentia que o secularismo do campus aos poucos estava me afetando de maneira negativa. O problema maior não era o relativismo e a incredulidade, nem tampouco o ceticismo (até porque eu sempre soube que certa dose de ceticismo sempre é salutar, ainda mais para um jornalista). Eu me sentia frustrado mesmo é com a falta de espiritualidade e o desrespeito pelas coisas sagradas. Quando estava na metade do curso, pensei em trancar a matrícula para estudar Teologia no interior de São Paulo. Foi quando conheci um servo de Deus que me fez ver as coisas sob outra ótica.

Campolim Palma era formado em Teologia e ganhava a vida vendendo livros usados na universidade. Um dia, enquanto folheava alguns exemplares de sua banca, deparei-me com O Grande Conflito, da escritora adventista Ellen White. Como os livros eram baratos e eu tinha pouco dinheiro, achei que seria uma boa oportunidade de aumentar minha coleção de livros da autora.

– Você tem mais livros desta autora?

– Tenho. Você gosta dela? – ele me perguntou ao mesmo tempo em que colocava em minhas mãos um exemplar em bom estado do best-seller O Desejado de Todas as Nações.

– Sim. Os livros dela são muito bons.

– Você é adventista?

– Sou, por quê?

– Eu também sou.

Fiquei muito feliz por conhecer um irmão na fé naquele ambiente (era o meu primeiro ano na UFSC e eu ainda não havia conhecido os jovens que seriam meus colegas de pensão). Passei a conversar com o Campolim com certa frequência e a partilhar com ele minhas frustrações.

Um dia, quando contei a ele que estava pensando em trancar minha matrícula e expliquei os motivos, ele me disse algo que nunca saiu da minha mente e foi como uma diretriz que me motivou a prosseguir no curso até o fim. Ele me olhou nos olhos e disse:

– Michelson, onde as trevas são mais intensas, é justamente ali que nossa luz deve brilhar.

Decidi que seria um verdadeiro cristão no campus, como foi José no Egito e Daniel, em Babilônia. Se Deus tinha um plano para mim ali, Ele me daria forças para prosseguir e deixar um rastro de luz.

Poucos meses depois de tomar essa importante decisão, conheci a Débora e tive minha primeira grande recompensa de Deus. Ela foi a motivação que me faltava para continuar firme. Podia me abrir totalmente com ela. Além da resposta às minhas orações por uma namorada, a Débora foi minha grande amiga e confidente. Bendito conselho do Campolim!

Vista aérea do campus da UFSC

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá,Michelson.

Gostei dos novos capítulos,a história de vocês é bonita,desejo que sejam felizes,com as bençãos de Deus.Parabéns!!!
Continue postando, mas não demore.

Um abraço.

Jocilene Bravim.