terça-feira, fevereiro 08, 2011

Capítulo 20 - Um só coração

Débora Borges

“Dar-lhes-ei um só coração e um só caminho, para que Me temam todos os dias, para o seu bem e bem de seus filhos” (Jeremias 32:39).

Era o nosso terceiro ano de namoro e eu não conseguia mais imaginar a vida sem meu amado. Mas as circunstâncias não eram favoráveis para pensar em casamento, pelo menos não naquele momento. Não tínhamos condições financeiras de ter nossa casa própria e de manter um lar. O Michelson não conseguia trabalho em sua área de formação (comunicação), pelo fato de ser fiel aos mandamentos de Deus e guardar o sábado bíblico. Além disso, ele dava poucas aulas na escola adventista. Eu era recém-formada no ensino médio e ainda estava pensando em me preparar para cursar uma faculdade no ano seguinte. Mesmo assim, sentia que Deus nos ajudaria de alguma forma, e ao pensar no futuro, meu coração se enchia de esperança de que nossa situação iria melhorar. Então, apesar de não termos dinheiro suficiente, marcamos a data do casamento para o fim daquele ano de 1996, e eu comecei a sonhar com o grande dia.

No segundo semestre, surgiu a oportunidade de eu substituir uma auxiliar de professora numa creche da rede estadual. Era uma experiência nova que me marcaria a vida. Aprendi muitas coisas, principalmente o que fazer e o que não fazer no relacionamento com crianças e com as famílias delas. Na verdade, aquele emprego acabou me influenciando para cursar Pedagogia anos depois.

O salário na creche era baixo, mesmo assim, foi possível guardar um pouco de dinheiro para ajudar nas despesas do casamento. Além do mais, eu gostava de trabalhar lá e apreciei as amizades que fiz.

No primeiro dia de trabalho, a professora que eu iria auxiliar, a Stela, percebeu que eu era religiosa e me abordou com a pergunta: “Você acha que Deus pode perdoar qualquer pecado? Qualquer um?” Ela revelou angústia e inquietação no olhar. Procurei assegurar-lhe de que o amor de Deus é incondicional – eu sabia disso por experiência. Ele nunca deixa de nos amar e está sempre disposto a nos perdoar e nos dar uma chance de mudar. Ela me pediu para confirmar isso várias vezes e me fez muitas perguntas sobre a Bíblia. Ofereci-me para estudar a Palavra de Deus na casa dela, nos sábados à tarde, e ela aceitou com alegria.

Uma professora de outra classe sempre ficava me observando quando nos encontrávamos. Eu achava que ela não gostava de mim porque minha tia havia sido noiva do esposo dela e aquela reação à minha presença poderia sem algum tipo de implicância. Um dia, no horário do lanche das professoras, ela sentou ao meu lado e me perguntou em alto e bom som, para que todas pudessem ouvir:

– E aí, Débora, você que conhece bem a Bíblia, diga para nós quando é que Jesus vai voltar.

Olhei para ela e vi que estava sorrindo. Interpretei aquilo como deboche e senti o rosto ficar quente. Devo ter corado, mas procurei responder com calma, porém, num tom de seriedade:

– A Bíblia diz que o dia e a hora ninguém sabe, mas Jesus nos deixou alguns sinais que mostram a proximidade desse dia.

– É mesmo? Eu gostaria de saber mais sobre isso – ela disse com sinceridade na voz. – Posso estudar a Bíblia com vocês, na casa da Stela?

Fiquei tão surpresa que não soube o que dizer naquele momento. Estava esperando provocação, mas, na verdade, ela queria mesmo conhecer as Escrituras Sagradas. A partir daquele dia, nos tornamos grandes amigas e ela passou a estudar a Bíblia conosco.

Nosso grupo de estudos foi crescendo. A coordenadora da creche estava de licença por causa de depressão e ficou sabendo dos estudos bíblicos. Ela e o esposo pediram para se unir a nós. Depois de mais algum tempo, outra auxiliar nos contou que o marido havia estudado a Bíblia com um adventista. Na época, ela foi contra porque tinha muito preconceito. E de tanto brigar com ele por causa dos estudos, ele acabou desistindo. Mas ela começou a ler a lições dele e a compará-las com a Bíblia. Viu que o que ele havia estado estudando era correto e descobriu muitas coisas que não conhecia sobre Deus e sobre a vontade dEle. Agora ela estava arrependida de tê-lo feito desistir dos estudos, mas ele realmente havia perdido o interesse e não quis voltar atrás. Sabendo disso, a convidamos para se unir a nós nos estudos e ela concordou.

Infelizmente, a Stela, que motivou o início dos estudos na casa dela, não foi perseverante. Na verdade, ela nunca abriu de verdade o coração. Estava sempre agitada e não se concentrava no que estávamos estudando. A exemplo de Marta, irmã de Lázaro e Maria, ela ficava preocupada com outras coisas e mal conseguia se sentar para ouvir. Deixava que tudo ao redor interrompesse sua atenção e aos poucos foi colocando empecilhos para não continuar o estudo. Fiquei triste por ela. Era uma pessoa boa, mas nunca conseguia estar em paz – e eu sabia que Jesus podia dar-lhe a paz que ela desejava. Continuei orando por ela, mas tivemos que mudar o local da classe bíblica e prosseguir sem ela.

*****

Minha vida e do Michelson antes do casamento virou uma correria só e mal tínhamos tempo para namorar. Apesar de sentir muita satisfação por tudo o que fazíamos, minha esperança era de que depois de casados pudéssemos ter mais tempo para nós.

Como não tínhamos automóvel, perdíamos muito tempo no percurso entre um lugar e outro. Um dia calculei quanto tempo havia desperdiçado dentro dos ônibus e achei absurdo. O Michelson conseguia ler até em pé, nas viagens, mas eu ficava enjoada.

Desde a segunda série eu pegava ônibus para ir à escola. Na sexta-série, fui estudar em Florianópolis e aí a viagem demorava ainda mais. Se tudo corresse bem e o trânsito fluísse normalmente, levava uma hora para ir e uma hora para voltar. Mas, na volta para casa, o congestionamento era terrível e a viagem frequentemente levava até duas horas. Isso em um ônibus velho, com bancos desconfortáveis e cheirando a óleo queimado que eles passavam no assoalho do veículo. De vez em quando, via pessoas escorregando por causa daquele óleo. Não sei por que passavam aquilo no ônibus.

A pior parte da viagem era quando saíamos da BR 101 e entrávamos num bairro anterior àquele em que eu morava. Ali não havia calçamento. A estrada era de terra e cheia de buracos e curvas. Mesmo assim, os motoristas não diminuíam a velocidade e íamos literalmente sacolejando até chegar à Barra do Aririú. Quando a porta do ônibus se abria para sair ou entrar passageiros, junto entravam nuvens de pó. Se lambêssemos os lábios, dava para sentir o gosto do barro. Então, eu chegava em casa com odor de óleo misturado com poeira, e os cabelos quase nem mais balançavam.

A creche em que eu trabalhava não ficava tão longe de casa, mas era preciso tomar dois ônibus, ou apenas um e caminhar mais uns dois quilômetros. Eu preferia caminhar, quando não estava chovendo.

*****

O tempo ia passando e a data marcada para o casamento se aproximava. Eu ainda esperava por um milagre. Sonhava em pelo menos ter nosso cantinho para morar. Nem que fosse um cômodo e um banheiro, mas que pudéssemos ter nossa privacidade e começar a construir a vida juntos. Fomos até ver uma quitinete para alugar, mas qualquer aluguel consumiria a maior parte do nosso salário, e todos diziam que era jogar dinheiro fora. Não sabíamos o que fazer. E o Michelson ainda sonhava e fazia planos para cursar teologia. O futuro era bem incerto, mas orávamos e eu sentia que Deus estava cuidando de tudo. Eu me sentia mesmo como uma filhinha querida e confiava que meu Pai celestial cuidaria de nós, de um jeito que eu ainda não conhecia.

É claro que às vezes eu ficava ansiosa e surgiam sentimentos de angústia e vontade de ver tudo resolvido mais rápido e da maneira que eu queria, sem esperar que Deus fizesse do modo dEle. Mas ainda bem que Ele é soberano e dirige tudo, porque se Ele atendesse todos os meus pedidos, não sei onde estaríamos sofrendo hoje. É como escreveu C. S. Lewis, em seu livro O Problema da Dor:

“Quando queremos ser algo além do que Deus quer que sejamos, estamos desejando na verdade aquilo que não nos fará felizes. As exigências divinas que soam aos nossos ouvidos naturais mais como as de um déspota e menos como as de alguém que ama nos conduzem aonde deveríamos querer ir, caso soubéssemos o que desejamos” (p. 63).

Certo dia, o Michelson e eu fomos visitar a amiga Rafaela. Ela havia conhecido um jovem, filho de líderes da Igreja Adventista Central de Palhoça. Namoraram pouco mais de um ano e se casaram três meses antes de nós. A casa deles era pequena, mas bem bonitinha. Tudo era novo, ficava em um bairro razoavelmente bom, e o melhor: era deles. O Michelson pregou na igreja que ficava ali perto e passamos o dia lá. Foi muito agradável. A Rafaela amava muito o esposo e não mais parecia guardar qualquer ressentimento por mim. Conversamos muito sobre a Bíblia e também sobre os planos que tínhamos para o futuro. Mas, embora nosso casamento estivesse marcado, não sabíamos dizer onde iríamos morar ou quando poderíamos ter uma casa, como nossos amigos tinham.

Na volta para a casa dos meus pais, no ponto de ônibus, o Michelson notou que meu olhar estava um pouco triste e talvez ele tenha ficado meio chateado comigo. Como se pudesse ler meus pensamentos, ele disse:

– Eu sei que você gostaria de estar numa situação parecida com a deles. Só que enquanto ele trabalhava e guardava dinheiro para comprar casa e carro eu estava estudando e gastando dinheiro. Mas saiba que não me arrependo nem um pouco. O que ele tem pode acabar, mas o conhecimento que adquiri ninguém pode me tirar, e para mim vale muito mais.

Eu não queria que o Michelson sentisse aquele peso e nem desejava dar a impressão de estar fazendo qualquer tipo de comparação entre a vida deles e a nossa. Na verdade, eu também pensava como meu noivo, mas sonhava ter nossa casinha e não precisar mais perder tanto tempo andando de ônibus. Mas, definitivamente, bens materiais nunca foram a prioridade do Michelson. Ele só tinha interesse em continuar estudando e pregando o evangelho. Se Deus nos acrescentasse algo, seria muito bom, mas meu futuro marido não buscava lucro. Até hoje, quem se preocupa mais com a parte financeira de casa sou eu. E não reclamo disso.

Eu sabia que ele era uma pessoa muito especial, diferente daqueles que só pensam em acumular tesouros neste mundo. Ele me ensinou que nossa segurança, até mesmo financeira, reside em nossa dependência de Deus. Por isso, ao lado dele, eu me sentia tranquila, embora não tivesse quase nada concreto em que me apoiar. Mas, dentro de pouco tempo, nossa fé seria ainda mais severamente provada.

Numa noite de sexta-feira, uma prima que morava num bairro distante aguardava no carro com meus tios em frente à igreja. Fiquei muito surpresa ao vê-los ali nos esperando e mais ainda quando nos contaram o motivo da visita. Ela soube que eu iria me casar e veio nos oferecer um apartamento financiado que ela queria vender. Ficamos interessados, mas pedimos desculpas e explicamos que não iríamos conversar sobre negócios nas horas do sábado. Expliquei-lhes que era o dia do Senhor e que nós respeitávamos a Lei de Deus. Eles ficaram um pouco desconsertados, mas não insistiram e prometeram voltar no domingo pela manhã.

Fiquei completamente entusiasmada e queria crer que aquilo era uma resposta às minhas orações. Saí falando para todo mundo, sem nem saber se o negócio daria certo, porque eu queria muito que Deus nos desse um lugar para morar.

No domingo, eles levaram todos os papeis para nos mostrar: planta, contrato, fotos. Acreditamos cegamente que aquele plano havia “caído do Céu” e fechamos negócio sem ao menos ter ido ao local. Para o Michelson isso não importava muito, pois nos planos dele moraríamos lá por pouco tempo. A promessa era de que o apartamento ficaria pronto em fevereiro daquele ano, três meses depois do nosso casamento. Então, ele achava que ficaríamos lá apenas até o fim do ano, quando poderíamos vender o imóvel para ir para o Chile, onde o Michelson pretendia cursar Teologia. Ele se referia a essa ideia como “plano B”, já que o “plano A” (de estudar no Unasp) havia falhado.

Não seria fácil pagar as parcelas do apartamento e ainda manter as despesas normais de um lar. Não teríamos dinheiro para comprar mais nada. Ainda assim, contaríamos com a ajuda do meu pai para a alimentação ou qualquer necessidade extra que surgisse.

Eu estava feliz e preocupada. Muitas pessoas nos aconselharam a pensar melhor no negócio, mas eu nem me dei tempo para duvidar de nada. Queria que desse tudo certo, e pronto. Quais eram as nossas opções? Morar no “meu” quarto, na casa dos meus pais, ou pagar aluguel. E, se realmente fôssemos para o Chile no ano seguinte, teríamos feito um ótimo investimento, pois os imóveis costumam valorizar.

Na segunda-feira, providenciamos os documentos necessários e saquei o valor que minha prima pediu para cobrir o que ela já havia pago. Era exatamente o que eu tinha conseguido economizar. Lá no escritório da construtora, chamou-me a atenção uma jovem que estava muito impaciente. Ela falava nervosamente que não aguentava mais esperar e por fim saiu dizendo: “Eu desisto!” Perguntei para outra moça que estava ali o que havia acontecido para aquela mulher ficar assim tão nervosa, e a moça explicou que era pela demora na entrega do apartamento. Então fiquei sabendo que aquela já havia sido a terceira remarcação de data, e que provavelmente, pelo andamento das obras, dali a cinco meses o nosso apartamento ainda não estaria pronto. Mas a moça parecia bem mais otimista do que aquela que tinha saído aos gritos, e acreditava que no máximo até o meio do ano eles entregariam as chaves.

Fiquei um pouco desanimada ao pensar que teria que esperar tanto tempo, mas já que estávamos ali no escritório prestes a assinar o contrato, fomos adiante. Quem sabe eles conseguissem entregar o nosso apartamento antes do prazo...

Minha prima não havia mencionado absolutamente nada sobre essa demora e ficou um pouco envergonhada ao me ver descobrir tudo minutos antes de assinar os documentos. Eu simplesmente ignorei as evidências e a insegurança que estava sentindo. Ingenuamente e também constrangida de voltar atrás, quis manter o negócio e ainda acreditar que logo teríamos nosso lar.

Depois daquilo, os preparativos para a cerimônia e a festa de casamento absorveram toda a minha mente, meu coração e meu tempo. Nossos pais iriam dividir os gastos e dentro do orçamento me deram carta branca para escolher o que eu quisesse. Minhas ideias começaram a fervilhar. Passei a prestar atenção como nunca em vestidos de noiva, decorações... e reunia aquilo que eu achava mais bonito de cada casamento.

Vi um casamento em que os noivos paravam embaixo de um quadrado de flores (que não eram naturais) em frente ao pastor. Achei lindo e quis fazer um arco de flores para nós, mas com flores naturais e bastante verde. Assisti a outro casamento em que os pilares dos arranjos do corredor eram de vidro e iluminados. Então comecei a pensar como seriam os nossos. Fui a algumas floriculturas a procura de bons preços e de quem estivesse disposto a materializar cada detalhe dos meus sonhos.

Na terceira tentativa, encontrei uma pequena floricultura no caminho da creche em que eu trabalhava. Na entrada do estabelecimento, havia uns suportes (pedestais) que mais pareciam colunas romanas, com lindos arranjos de flores. Perguntei se aqueles suportes poderiam ser usados nos corredores da igreja, no meu casamento, e a Rita, a proprietária, disse que sim e também concordou em fazer o arco de flores, e tudo por um ótimo preço. Ela era muito simpática e atenciosa, e vibrava comigo imaginando como tudo ficaria lindo.

Pendurada na parede havia a foto de um bebê. Quando perguntei quem era, lágrimas rolaram pela face da mulher. “É minha bebezinha. Ela morreu no ano passado com quatro meses de vida. Os médicos não descobriram o motivo. Dizem que foi morte súbita.”

Então, falei-lhe sobre a volta de Jesus e a ressurreição. Quase todos os dias eu passava lá, conversávamos sobre o casamento e sobre as promessas de Deus de nos dar a vida eterna em companhia daqueles a quem amamos. Tenho certeza de que foi Deus quem me encaminhou especificamente para aquela floricultura.

O tempo voava e eu vivia sonhando acordada. Queria que tudo saísse do jeito que eu havia planejado. A ansiedade estava tomando conta de mim. Para os homens, esses detalhes talvez não importem tanto, mas para a maioria das mulheres o dia do casamento e de se vestir de noiva é como viver um dia de princesa parecido com os contos de fada da infância.

Eu estava vivendo um sonho e quase nem mais pensava nos dias que se seguiriam à cerimônia e à festa; em nosso futuro. Achava que o assunto do apartamento estava caminhando muito bem e logo tudo estaria finalmente resolvido. Eu só pensava no “grande dia”; no momento em que eu entraria na igreja vestida de branco.

A Rita disse para não me preocupar com a decoração, pois as noivas ficam tão nervosas durante a cerimônia que praticamente não notam nada. Foi a pior coisa que ela poderia ter me dito, porque coloquei na cabeça que iria reparar em cada detalhe! Só uma coisa poderia estragar tudo: a possibilidade de eu chorar. Se começo a chorar, não paro mais. Perco o controle das emoções. Todos os dias eu orava pedindo a Jesus que não me deixasse chorar. Era um pedido especial e eu sabia que somente Deus poderia segurar minhas lágrimas.

Quanto mais o grande dia se aproximava, mas a correria para deixar tudo pronto se intensificava. Para piorar minha tensão, tivemos alguns contratempos com coisas muito mais importantes do que a decoração. Simplesmente duas semanas antes do dia do casamento, os responsáveis pelo buffet que eu havia contratado me disseram que não seria mais possível realizar a festa no salão combinado.

– Como assim?! Faltam apenas duas semanas para o casamento, os convites foram distribuídos... O que vou fazer?

Os cozinheiros da festa haviam prometido alugar um belo salão com vista para a ponte Hercílio Luz, no clube da empresa da qual eles eram funcionários. Mas, àquelas alturas, eles tinham descoberto que só poderiam usar o salão pagando uma taxa irrisória se fosse para a família deles. Do contrário, o valor cobrado seria muito maior. Nossos recursos já estavam comprometidos e ficamos sem saber o que fazer.

Há situações em que só nos resta chorar. E foi isso mesmo o que fiz. Procurei a diretora do clube, expliquei-lhe a situação e comecei a chorar diante dela. Mesmo assim, ela disse que só poderia me ajudar com cinquenta por cento de desconto. Foi uma ajuda válida e valeu cada lágrima.

Estava tudo quase perfeito. Mas, por mais que tentemos, parece que sempre ficam detalhes para resolver no último dia, no último momento. De manhã, eu quis ir até a igreja para ver como estava a decoração. Quando cheguei com o Michelson, fiquei totalmente frustrada. Eu havia combinado que seriam flores em tom pastel, mas os decoradores estavam colocando todo tipo de flores e cores. Tive a impressão de que deviam ser sobras de outro casamento realizado no sábado, pois, além de tudo, estavam um pouco murchas. Quando vi os pedestais no corredor, desanimei de vez. Disseram-me que não era possível usar os que eu havia escolhido porque eram muito pesados. Em lugar deles, acabaram levando uns de madeira rústica. O Michelson percebeu meu olhar de tristeza e decepção. Então, as palavras dele conseguiram me animar e despertar para a realidade:

– Débora, vai ficar bonito. As cores fortes darão mais vida, as fotos ficarão mais bonitas. Ninguém vai reparar nos pedestais. Não fique preocupada; confie neles. Eles sabem o que estão fazendo.

Aquelas palavras me fizeram pensar no que realmente era importante. Fiquei tão feliz em olhar para meu noivo e por tê-lo ao meu lado! Agradeci a Deus porque eu estava vivendo aquele dia e iria me casar com o amor da minha vida, um homem tão bom e temente a Deus.

Apesar de todos os detalhes não terem ficado como eu havia planejado, consegui relaxar e pensar que depois de tudo o que ficaria na memória das pessoas eram a impressão do nosso amor, a felicidade e a presença de Deus.

Na verdade, acho que não foram somente as palavras do meu noivo que me acalmaram, mas, sim, a atitude dele. Ele me transmitia segurança. O Michelson conseguia sempre ser otimista e dificilmente perdia a calma. Eu era bastante ansiosa e muitas vezes via as dificuldades maiores do que realmente eram, só para perceber, no fim das contas, que a maioria dos meus temores não se concretizava. Com o tempo, fui aprendendo a me entregar realmente nas mãos de Deus e parar de antecipar sofrimentos, uma vez que “Ele tem cuidado de [nós]” (1 Pedro 5:7) e sempre convida: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei” (Mateus 11:28).

Depois de todo o estresse e da correria, mal acreditei que havia chegado à porta da Igreja Adventista de Campinas, em São José, pontualmente às dezenove horas, como combinado. Estava ali pronta para entrar, quando vieram correndo me avisar para não sair do carro porque o pai do Michelson havia ido levar o bolo ao salão de festas e estava preso no congestionamento de Verão, na BR 101, próximo à entrada de Florianópolis. Naquele horário, os turistas costumavam sair das praias e o trânsito ficava extremamente lento. Por isso, fiquei ali esperando por uma hora até o pai do noivo chegar! Só que, como a noiva sempre leva a culpa, todos pensaram que eu havia chegado atrasada para a cerimônia.

Finalmente, ouvi a marcha nupcial. Parecia um sonho! Aquela música me encheu de emoção, e quando fitei o Michelson com olhar de cumplicidade, as lágrimas ameaçaram jorrar. Imediatamente clamei a Deus em pensamento e O lembrei do nosso acordo: “Por favor, Senhor! Não me deixe chorar!” “Engoli” o choro e continuei sorrindo.


A cerimônia foi singela, mas o pastor Ademar Paim conseguiu tocar o coração dos convidados. À porta, pude notar que todos estavam emocionados e transmitiam sentimentos de carinho e contentamento. Foi muito gostoso receber tantos abraços amistosos e sinceros. Parecia que as pessoas estavam exalando amor. O clima era de felicidade e esperança, não somente em relação a nós dois. Pude sentir que o sermão e as músicas – uma das quais cantada pela Emanuela – haviam promovido um verdadeiro reavivamento entre as famílias.

Geralmente, os casais dizem que não conseguem comer em sua festa de casamento. No entanto, toda a tensão daquele dia havia me deixado faminta. Agora eu estava tranquila e realizada. Fiz questão de comer muito bem e de aproveitar cada momento. Infelizmente, o tempo passou rapidamente e algumas pessoas tiveram que ir embora – principalmente alguns parentes que moravam longe – sem conversar conosco. Tive a sensação de que algo estava faltando. Mas era uma grande ilusão pensar que seria possível dar atenção a todos os duzentos convidados.

No dia seguinte, dois jovens felizes e cheios de sonhos caminhavam de mãos dadas por uma praia deserta, em Garopaba, SC. O dia estava nublado e não muito quente, fazendo com que a praia fosse só “nossa”. Acho que estava estampado em nosso rosto: “Recém-casados!” Estávamos simplesmente “abobalhados”. Às vezes, fixávamos o olhar um no outro e caíamos na risada. Então o Michelson me abraçava e sussurrava: “Minha esposa”, e eu devolvia: “Meu marido.” Era como se estivéssemos dizendo repetidamente: “Casei! Casei! Casamos! Nem acredito!”

Minha tia Roseli havia sido muito bondosa em nos emprestar por uma semana a casa de praia da família dela. Ali tivemos uma amostra do que é viver casados e ter nosso próprio cantinho para construir nova vida juntos. Foram momentos preciosos e inesquecíveis. Uma confirmação de que os planos de Deus para o ser humano sempre são os melhores.


Depois que a lua de mel acabou, tivemos que voltar para a casa dos meus pais e ajeitar nossos poucos pertences no “meu” quarto: a cama de casal que havíamos ganhado de presente do tio João, uma estante de livros do Michelson, a escrivaninha usada dele e um aparelho de TV velho que ele tinha ganhado quando era criança. Os outros presentes ficaram encaixotados na sala de estar, até que nosso apartamento ficasse pronto e pudéssemos levar tudo para lá. Era só uma questão de meses, pensávamos, sem saber o que nos aguardava.

Com o passar do tempo, nossa esperança de morar no apartamento foi se transformando em angústia. Cada vez que chegava a data marcada para a entrega das chaves, havia nova remarcação de datas. Não víamos progresso na construção, apesar de os pedreiros estarem na obra. Dos quatro prédios do projeto, apenas um tinha sido levantado, e não era o nosso. A construtora alegava muita inadimplência, mas nós estávamos pagando fielmente em dia, com muito sacrifício. A maior parte do salário do Michelson era usada para pagar as prestações e o restante apenas cobria as despesas dele com transporte e alimentação. Ou seja, ele estava trabalhando apenas para pagar o apartamento. Se quiséssemos comprar algo ou passear, tinha que ser com o meu salário mínimo. Por isso, tudo era bem calculado e racionado.

Meus pais demonstraram muita bondade em nos acolher. Morávamos na casa deles sem contribuir com nada. Aquela situação era muito desconfortável para nós.

O fim do ano foi chegando e pude ver que o cansaço e o desânimo estavam quase vencendo meu marido. Ele estava profissionalmente insatisfeito, pois havia se preparado para ser jornalista e não professor de adolescentes. Quando ele chegava em casa, depois do longo percurso em um ônibus lotado, eu percebia no rosto abatido sinais de frustração. Falar do “Plano B” era única coisa que o reanimava.

Fazia algum tempo que o Michelson estava se comunicando com um amigo que cursava Teologia no Chile. Ele até havia comprado a Lição da Escola Sabatina em espanhol e estava tomando algumas aulas com um colega professor que tinha morado na Argentina. O valor das mensalidades da faculdade adventista lá era mais baixo do que no Brasil. Então, o “Plano B” consistia em vender o apartamento quando ele ficasse pronto, a fim de que, com o dinheiro, pudéssemos começar os estudos no outro país, no ano seguinte. Poderíamos ter guardado dinheiro naquele ano, mas acho que o Michelson decidiu investir no apartamento mais por minha causa, para satisfazer meu desejo de ter um lar.


"Meu" quarto, nossa primeira "casa"

Mas o sonho nunca se concretizou. O ano terminou e ainda morávamos no “meu” quarto. Colocamos um anúncio no jornal para vender o apartamento “em construção”, mas ninguém se interessou em comprá-lo naquelas condições.

Estávamos agora meio desnorteados. O contrato previa devolução de certa quantia do dinheiro pago, caso desistíssemos do plano. Mas iríamos perder boa parte do valor investido. Eu estava esperando saber que rumo iríamos tomar, para decidir onde faria minha faculdade. Enquanto esperava, me matriculei no curso de Pedagogia da UFSC, como aluna especial. A vantagem era que, se depois eu passasse no vestibular, poderia eliminar as matérias que já havia cursado.

Em fevereiro do ano seguinte, nossas esperanças em relação ao apartamento foram totalmente desfeitas. A construtora declarou falência e o dono acabou se suicidando. Agora não tínhamos nem mesmo a chance de reaver parte do dinheiro. Com isso, o “Plano B” também afundou. Não tínhamos um “Plano C” – mas não sabíamos que Deus tinha.

Quando o Michelson chegou em casa com a triste notícia da falência da construtora, meu mundo desabou. Foi muito difícil dormir naquela noite. De manhã, meus olhos estavam inchados de tanto chorar. Quis perguntar a Jesus por que Ele havia permitido tudo aquilo. Mas me lembrei de que quando fechamos o negócio não havíamos consultado a Deus como deveríamos. Apesar de todos os sinais contrários, fui teimosa e escolhi ser iludida. Coloquei minha vontade acima de tudo.

Mas Deus é muito bom e nunca deixa de nos amar. Embora às vezes tenha que permitir que soframos as consequências de nossas más escolhas, Ele nunca nos abandona. Mais uma vez pude sentir a mão dEle segurar a minha. Depois de orar, tirei da caixinha de promessas um cartãozinho com um verso bíblico: “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Salmo 30:5). Aquela “noite” parecia tão longa, mas ainda teria fim.

Decidimos ir até a Associação Catarinense conversar com o diretor de educação. Queríamos expor nossa situação e pedir que ele ajudasse o Michelson a conseguir mais aulas ou alguma maneira de ele obter ajuda para um aluguel. Na verdade, queríamos mais era desabafar e ver se ele poderia nos dar algum conselho, apontar uma luz no fim do túnel que para nós parecia ficar cada vez mais escuro e estreito.

No trajeto para lá, ainda no ônibus, senti mais uma vez o toque de Jesus me consolando. Sintonizei meu rádio portátil na emissora adventista Novo Tempo, coloquei os fones de ouvido e comecei a ouvir uma música muito bonita. Senti como se aquela letra houvesse sido escrita especialmente para mim. Ela falava de uma promessa bíblica muito preciosa: “Serei contigo na alegria ou na dor. Quando orares, Eu te ouvirei. Lutarei nas batalhas que o mal te trouxer. Serei contigo, serei contigo, pois Eu sou teu Deus.” A música era cantada pelo grupo Harmuss, mas, para mim, parecia a voz de Deus me falando ao coração: “Filha, Eu estou vendo tudo; a vida de vocês Me pertence. Eu estou no controle. Nunca vou deixá-la.”

Ali, no ônibus, as lágrimas brotaram mais uma vez. O Michelson me olhou com compaixão, apertou mais forte a minha mão e encostei a cabeça no ombro dele. Ele ainda não sabia, mas Deus já estava me confortando. Eu sentia que Deus tinha reservado algo de bom para o nosso futuro, só não sabia exatamente o quê.

O diretor do departamento de educação foi muito atencioso conosco e demonstrou grande empatia. Depois de pensar um pouco sobre como poderia nos ajudar, ele fez algumas ligações telefônicas. Não havia espaço para o Michelson dar mais aulas, mas existia a possibilidade de ele trabalhar em algo que lhe daria mais prazer. Naquela época, a rádio Novo Tempo de Florianópolis tinha sido recém-inaugurada e estava precisando de jornalista para produzir um jornal diário. O diretor da rádio ficou interessado e marcou uma entrevista com meu marido. Na semana seguinte, ele já era o novo membro da equipe da emissora.

Como a rádio estava começando suas atividades, tinha orçamento apertado. Por isso, o Michelson iria trabalhar somente algumas horas por dia. O salário aumentou um pouco, mas o que mais lhe trazia satisfação era o fato de poder atuar na área de formação dele. Fiquei feliz em vê-lo mais animado.

Foram feitos arranjos na escola para que o horário das aulas não coincidisse com o expediente na rádio. Mesmo assim, era difícil chegar a tempo nos dois lugares. O Michelson precisava sair correndo da escola, pegar ônibus e cruzar a ponte a fim de chegar à rádio. Depois do almoço com tempo cronometrado, ele ajudava a apresentar o jornal ao vivo e em seguida voltava para a escola. Alguns dias nessa correria foram suficientes para o Michelson decidir:

– Vamos comprar um Fusca.

– Um Fusca?! Eu não gosto do cheiro de Fusca. Não pode ser um Chevette, um Fiat 147, qualquer outro?

– Não. Meu pai começou com um Fusca. Todo mundo na minha família começou com um Fusca.

– Detesto barulho de Fusca.

– Você vai se acostumar. O Fusca é um carro forte, de manutenção barata. Não podemos ter um carro velho que fique quebrando a toda hora. Vamos guardar dinheiro neste ano e o Fusca é só para nos ajudar em nossas necessidades. Será um veículo missionário.

O Fusca azul 1973
Assim, nosso fusquinha azul-claro se tornou um grande “companheiro” de atividades, de viagens para Criciúma e de trabalho missionário. Eu até estava começando a gostar dele. Sem dúvida, era bem melhor do que andar de ônibus. Para os admiradores de Fuscas, ele era lindo. Tinha sido fabricado em 1973 e era todo original. As calotas eram cromadas e o pegador da marcha tinha um caranguejo dentro do plástico transparente. Eu achava superbrega.

A verdade é que o Fusca nos ajudava a ganhar tempo e, com ele, conseguíamos dar mais estudos bíblicos. Se algo estava nos trazendo alegria e satisfação no meio daquele turbilhão de desapontamentos, eram as pessoas sinceras que Deus colocava em nosso caminho para estudar a Bíblia.

Aquele grupo de estudos que começou com minhas colegas da creche já havia rendido frutos. A Simone e a Alessandra entregaram a vida a Jesus e foram batizadas naquele mesmo ano. O Pedro Daniel e a esposa, Salete, ainda não haviam tomado a mesma decisão das duas, mas sabíamos que eles eram pessoas especiais e que no momento certo a semente da Palavra de Deus germinaria também no coração deles. E foi o que aconteceu algum tempo depois. A semente frutificou mesmo!

Em janeiro de 2011, quando o Michelson e eu visitamos a Igreja Adventista do Rio Grande, em Palhoça (não muito longe da Barra do Aririú), encontramos lá o Pedro, a Salete, a Alessandra e o esposo dela. Mas não foi apenas isso. O filho da Salete e a filha da Alessandra, Filipe e Monique, na época dos estudos bíblicos eram apenas crianças. Em 2011, os dois, além de noivos, haviam se tornado líderes daquela igreja em fase de organização. Eles fazem um trabalho parecido com o que meu esposo e eu fazíamos na Barra. Vimos o cumprimento da promessa de Eclesiastes 11:1: “Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás.”

Frutos da classe bíblica iniciada com colegas da creche; no centro, Filipe e Monique

Depois da conversão da Simone e da Alessandra, ainda estudamos a Bíblia com mais dois casais. Certo dia, encontrei no ônibus uma amiga de infância. Deixei com ela um folheto bíblico e anotei nele meu telefone. Ela ligou alguns dias depois pedindo estudos bíblicos. Ficamos muito felizes em poder iniciar os estudos com ela e o esposo. Eles tinham verdadeira sede da Palavra de Deus e muitas vezes nos emocionamos conversando sobre o amor de Jesus ao dar a vida por nós. Eles também se tornaram grandes líderes da igreja e levaram a muitas pessoas o conhecimento da mensagem de salvação. Em 2010, a filha mais velha desse casal foi estudar no Unasp e se tornou excelente colportora.

O outro casal com quem estudamos a Bíblia era formado por dois jovens que haviam aceitado o convite para assistir a uma série de palestras sobre saúde. Eles enfrentaram alguns obstáculos para conseguir cumprir a vontade de Deus, como o trabalho no sábado, por exemplo. Mas pouco a pouco Deus foi abrindo as portas e até uma nova profissão o moço pôde aprender. Depois de muitas lutas vencidas pelo poder de Deus, eles puderam ser batizados. Infelizmente, como ocorreu na parábola do semeador, eles acabaram permitindo que os problemas sufocassem a semente e abandonaram o convívio dos irmãos da igreja. Mas ainda podemos ter surpresas, como já aconteceu e acontece com outras pessoas que voltaram para Jesus. Deus por certo deve estar trabalhando no coração deles, de maneiras que nem imaginamos.

Envolvendo-nos com a salvação de outras pessoas não tínhamos tempo para lamentar nossa situação. Estávamos felizes e ocupados. Depois da fase do choro e dos questionamentos, passamos a sentir paz, contentamento e vivemos com a esperança de que Deus nos reservava um futuro melhor. Esse mesmo Deus que até ali havia conduzido nossas vidas, tornando-nos uma só carne e um só coração.


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