quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Capítulo 21 - O chamado

Michelson Borges

A Débora e eu havíamos acabado de voltar de um fim de semana em Criciúma, no dia 14 de dezembro de 1997, quando recebemos a notícia: meu avô havia falecido. Coloquei a Bíblia numa pasta e fiz a seguinte oração: “Senhor, se Tu quiseres que eu fale algumas palavras no sepultamento do meu avô, faze com que alguém me peça isso.” Imediatamente fomos para Florianópolis e tomamos o primeiro ônibus para Criciúma. Eu sabia que a família (especialmente minha mãe) estava sofrendo muito e desejava poder falar-lhes da ressurreição dos mortos e das últimas conversas que havíamos tido com meu avô.

Uns quinze dias antes, quando ele ainda conseguia falar, a Débora e eu fomos visitá-lo no hospital. Pudemos dizer o quanto Deus o amava e queria vê-lo salvo. Minha mãe também teve oportunidades de falar do amor de Jesus enquanto cuidava do pai que tanto estimava. Procuramos lembrar-lhe dos assuntos que havíamos estudado na Bíblia alguns anos antes, especialmente sobre a promessa da volta de Jesus e a esperança da Nova Terra.

Quando chegamos ao Velório Municipal de Criciúma, encontramos quase uma centena de pessoas no local. Como meu avô havia sido vendedor de leite na juventude e treinador de times de futebol, era conhecido de muita gente. Todos estavam ali para dar o último adeus ao “Zé Tostão”.

A Débora e eu observamos brevemente o corpo inerte no caixão e nos sentamos ao lado de alguns parentes. Discretamente coloquei a pasta com a Bíblia embaixo da cadeira. Instantes depois, um pastor pentecostal começou a pregar o sermão fúnebre (ele havia sido convidado pela irmã do meu avô, que também é pentecostal). Notei a expressão de contrariedade de alguns enquanto o homem esbravejava e soltava ameaças sobre o “fogo eterno” para aqueles que vivem em pecado e não se preparam para o encontro com Deus. Quão inconveniente era aquela mensagem estridente para pessoas de precisavam de conforto e esperança.

Terminada sua fala (durante a qual algumas pessoas haviam se retirado do recinto), o pastor foi embora e deixou um líder da igreja dele responsável por dar andamento ao sepultamento. Naquele momento, uma tia (das que mais criticaram o fato de minha mãe, a Manu e eu termos nos tornado adventistas) tocou-me o braço e perguntou: “Você não vai falar nada?” Era o sinal que eu havia pedido a Deus!

Quando estávamos quase chegando ao local em que seria depositado o caixão, coloquei a mão no ombro do auxiliar do pastor e disse:

– Eu sou neto dele e quero falar algumas palavras.

O homem ficou surpreso com o meu pedido e deu um passo para trás. Abri minha Bíblia no capítulo 11 do Evangelho de João e falei a todos sobre a ressurreição de Lázaro. Depois, passeando pelas páginas sagradas, falei sobre o sono da morte, a volta de Jesus e a Nova Terra, onde não haverá mais choro, dor ou morte; onde Jesus enxugará nossas lágrimas e onde o mal não se levantará pela segunda vez.

Depois do sepultamento, alguns familiares vieram me agradecer por ter-lhes confortado com verdades bíblicas. Aquilo me deixou feliz, apesar da dor da perda. Senti-me usado por Deus para “abraçar” minha família por Ele. Na volta de Jesus, quero abraçar meu vovô também.

Anos depois, em 2006, minha avó Idalina, então com 82 anos, foi batizada na Igreja Adventista Central de Criciúma. Tive o prazer de entrar com ela no tanque. Curiosamente, nosso novo nascimento seguiu a ordem inversa das gerações: eu, minha mãe e minha avó. Em 2006, minha avó também faleceu, e a cerimônia fúnebre, desta vez, foi realizada pelo pastor adventista da Igreja Central de Criciúma.

*****

Em Florianópolis, a rotina prosseguia. Acordar às cinco da manhã, tomar o ônibus, viajar quase uma hora e encarar as crianças e adolescentes, alguns dos quais perguntavam: “Pra que estudar História? Tudo isso já passou mesmo.” Por mais que eu me esforçasse como professor, sempre me sentia aquém do ideal, o que me deixava num estado de frustração constante. Além disso, era difícil aceitar o fato de ter perdido as economias de todo um ano num apartamento que nunca seria construído. Eu já havia desistido de tentar entender por que Deus nos havia deixado passar por aquilo. Em lugar disso, entreguei tudo nas mãos dEle e resolvi esperar pela resposta. Afinal, como diz a Bíblia, “a minha porção é o Senhor, diz a minha alma; portanto, esperarei nEle. Bom é o Senhor para os que esperam por Ele, para a alma que O busca” (Lamentações 3:24, 25).

Fazia um ano que a Débora e eu estávamos casados. Essa era a parte boa da história. Era maravilhoso poder contar com minha querida esposa em todos os momentos. Poder adormecer e acordar ao lado dela. Ela me dava força e motivação para continuar lutando em busca de nossos sonhos. Eu sabia que ela estava disposta a tudo, mesmo que tivesse que ir para o Chile comigo, caso o “plano B” tivesse dado certo. Como não havia um “plano C”, continuamos contando com a boa vontade dos pais dela e morávamos num dos quartos da casa deles.

Continuei servindo à Igreja Adventista da Barra como ancião e, juntamente com minha esposa, ministrávamos muitos estudos bíblicos nos fins de semana. Durante a semana, ambos trabalhávamos para tentar economizar algum dinheiro: ela numa creche no bairro Caminho Novo, e eu na escola adventista de Florianópolis. Mas ganhávamos pouco e não víamos muitas possibilidades de ter nosso próprio lar.

Não foi fácil decidir pelo casamento nessas circunstâncias, mas como já namorávamos havia quase três anos e não sabíamos quando os “bons ventos econômicos” iriam soprar a nosso favor, decidimos, com o apoio de nossos pais, ir avante com o matrimônio assim mesmo e batalhar unidos por um futuro melhor.

Quando acordava antes de o Sol raiar, para ir à escola, olhava para a Débora na cama, ainda dormindo, e frequentemente me lembrava de quão linda ela estava naquele dia em que a vi entrar de vestido branco pelo corredor do templo adventista de Campinas. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Pudemos receber a bênção de Deus por intermédio do pastor e amigo Ademar Paim. Ao tomar minha amada como esposa, prometi protegê-la e amá-la para sempre. A lembrança desse momento, toda vez que beijava o rosto macio da minha esposa antes de sair para o trabalho, de certa forma carregava minhas baterias.

Mas, um ano depois, mesmo que eu não quisesse demonstrar, era visível para a Débora (de quem eu não mantinha segredos) que o desânimo começava a me rondar. Quando estava no limite das minhas forças, Deus interveio e me deu um motivo para prosseguir com mais ânimo: fui chamado para apresentar, juntamente com o jornalista e amigo Felipe Lemos, um jornal diário na recém-inaugurada Rádio Novo Tempo de Florianópolis. A emissora pertence à Associação Catarinense (a mesma entidade mantenedora das escolas adventistas no Estado) e é ligada à Rede Novo Tempo de rádios do Brasil. Fiz grandes amigos lá, especialmente o Felipe e o meu chefe, o radialista Amilton Menezes, um verdadeiro cristão.

Antiga localização da rádio Novo Tempo de Florianópolis
O trabalho era difícil. Eu tinha que ir bem cedo para a escola, dar as primeiras aulas do dia, depois cruzar a ponte Colombo Sales, ir para a rádio (que ficava no continente) e preparar o jornal. Ao meio-dia, corríamos para o restaurante, almoçávamos depressa e regressávamos à rádio, pois à uma hora o jornal ia ao ar, ao vivo. Das catorze às quinze horas, eu gravava alguns programas e depois regressava à escola de ônibus para dar as últimas aulas do dia. Realmente era um ritmo intenso, mas a satisfação de poder atuar na área de comunicação me fez recobrar um pouco do ânimo quase perdido. Só que o salário ainda era baixo, e com a perda das economias feitas para comprar o “apartamento virtual” não tínhamos como sequer pensar em alugar uma casa.
Depois de alguns meses, com a ajuda do meu cunhado Dilamar, pude comprar um Fusca 1973, em Criciúma. Era azul, bem conservado e todo original: calotas e para-choques cromados, volante grande e estribos. Com ele, ir para o trabalho e cruzar a ponte de lá para cá e de cá para lá todos os dias acabou ficando mais fácil (curiosamente, o primeiro automóvel do meu pai também havia sido um Fusca). Fiquei seis meses nessa correria de dois empregos, até que numa manhã, enquanto preparava o jornal daquele dia, recebi uma ligação que mudaria minha vida de uma maneira que eu sequer poderia imaginar naquele momento.

– Michelson, é o pastor Rubens Lessa, da Casa Publicadora Brasileira. Ele quer falar com você.

O Felipe era muito brincalhão o que me fez pensar que se tratasse de algum tipo de “trote”. Rubens Lessa era o redator-chefe da editora adventista do Brasil. Por que ele telefonaria para mim?

– Deixa disso, Felipe! Estou muito ocupado para brincar.

– Tô passando a ligação.

– Alô?

Era uma voz diferente e percebi que não se tratava mesmo de trote.

– Aqui quem fala é Rubens Lessa, da Casa Publicadora. É o Michelson?

– Sim – respondi, quase gaguejando.

– Tenho recebido seus textos e os apreciado muito. Além disso, temos aqui o seu currículo e queremos fazer uma entrevista com você.

Eu havia perdido a conta de quantos artigos tinha enviado para a Revista Adventista. Um deles havia sido publicado em 1992, quando eu estava no primeiro ano da faculdade de Jornalismo. E do meu currículo, já tinha até esquecido.

– Você pode vir aqui para conversarmos? Cobriremos todas as suas despesas com a viagem.

O chão pareceu sumir debaixo dos meus pés ao ouvir aquele convite.

– Claro, pastor. Quando devo ir?

– Pode ser na semana que vem?

– Tudo bem. Vou conversar com a diretora da escola e com o meu chefe aqui na rádio. Creio que eles possam me liberar.

Desliguei o telefone ainda achando que fosse um sonho. Tinha que contar aquilo para a Débora, senão ia explodir. Liguei para a creche e ela atendeu.

– Oi. O que você acha de nos mudarmos para Tatuí? – disparei.

– Do que você está falando?

– Acabei de receber uma ligação do redator-chefe da Casa Publicadora Brasileira me convidando para fazer uma entrevista lá.

– É verdade?

– Claro que sim! Eu não ia tirar você da sala de aula para fazer piada, né?

– Isso é maravilhoso!

Eu também achava maravilhoso, mas me sentia um pouco inseguro, afinal, não tinha formação teológica, como a maioria dos editores da Casa, e era jovem e inexperiente demais para função tão importante.

Não conseguia deixar de alimentar esperanças. Seria essa, finalmente, a resposta para nossas orações? Mesmo assim, procurei deixar os pés bem firmes no chão da realidade. Estava “escaldado”.

*****

A semana demorou a passar. Numa segunda-feira de abril de 1998, tomei o ônibus para São Paulo. Assim que o veículo começou a se mover, lembrei-me da viagem que havia feito para o Instituto Adventista de Ensino quase dois anos antes. Será que dessa vez as coisas dariam certo? Ou teria que regressar novamente, com meus sonhos guardados na bolsa? Seria esse o plano de Deus para minha vida, afinal? Ou voltaria para casa com outra decepção e a cabeça cheia de por quês?

Na manhã do dia seguinte, desembarquei no Terminal Tietê (pelo menos esse eu já conhecia), peguei o metrô (pela primeira vez na vida) até o Terminal Barra Funda onde embarquei noutro ônibus que me levaria a Tatuí.

A viagem pela rodovia Castello Branco, na maior parte formada por longos trechos em linha reta, pareceu nunca acabar. Observava ansioso as placas no caminho querendo logo ler a palavra “Tatuí”. Menos de duas horas depois, de repente, o ônibus saiu da Castello e entrou na rodovia SP 127, que passa em frente à Casa Publicadora Brasileira. Levantei-me, peguei minha bolsa e pedi ao motorista para parar na editora, ao que ele respondeu: “Ali está ela.”

Mal pude acreditar no que vi. Do outro lado da rodovia estava uma das maiores editoras adventistas do mundo, que eu só conhecia por fotos. Dava para ver quase todo o pavilhão industrial e parte do prédio administrativo. Era tudo muito grande e bonito.


O ônibus parou e na minha frente desembarcou um senhor que eu identifiquei como um dos editores. Como eu admirava aqueles homens e mulheres que usavam o computador e a caneta como “púlpito” para alimentar milhares de leitores com palavras que salvam e edificam. Estremeci só de pensar que talvez pudesse vir a me tornar um deles.

Meu coração acelerou quando vi o logotipo da Casa em aço em frente à portaria da empresa. Os olhos ficaram úmidos de emoção. Identifiquei-me e entrei no complexo. Enquanto caminhava em direção à recepção interna, fiquei encantado com os belos jardins floridos e com as árvores majestosas que lembram pinturas da Nova Terra. Tudo era realmente muito belo, limpo e organizado. Na fachada principal, pude ler: “Casa Publicadora Brasileira, Editora dos Adventistas do Sétimo Dia.” E em letras azuis: “Jesus Cristo é a Resposta.”

Passei por dois tanques com carpas douradas, brancas e pretas, entrei pelas portas de vidro fumê e a recepcionista sorridente avisou à secretária do pastor Lessa de que eu havia chegado. Em instantes, o homem surgiu na minha frente. Ele era magro, caminhava com passo firme e tinha um olhar inteligente. Pelo porte não aparentava os sessenta e tantos anos que tinha. Apertou minha mão e sorriu.

– Como vai? Fez boa viagem?

Respondi que sim.

– Venha comigo. Minha sala é por aqui.

À medida que caminhávamos em direção à Redação, pude avistar vários corredores longos e pessoas indo e vindo com papéis e pastas na mão. Seria fácil me perder naquele labirinto...

– Andréa, este é o Michelson. O da foto, lembra?

– Ah, sim, lembro – ela não conseguiu esconder o sorrisinho maroto. – Como vai?

A secretária do pastor Lessa era bem simpática, gentil e prestativa. Tempos depois, ela acabaria me revelando o “mistério” da tal foto. Meses antes da entrevista eu havia enviado um artigo acompanhado de uma foto. A única foto boa que eu tinha de terno e gravata havia sido tirada no intervalo de um curso para jovens realizado no antigo Centro Adventista de Treinamento (Catre), em Itapema, SC. Era Inverno e a Débora eu caminhávamos pela praia. Subi num brinquedo que tinha uma tela e nela havia um buraco. Coloquei o rosto ali e a Débora me fotografou. Gostei da foto. Pensando que na editora poderiam “recortar” meu rosto, enviei a foto junto com o artigo.

Algum tempo depois, vasculhando os arquivos, a Andréa localizou minha foto e mostrou ao pastor Lessa.

– Esse é o Michelson? – ele perguntou.

– Sim – ela respondeu, e completou: – Não parece que ele está num galinheiro?

Os dois caíram na risada. E por isso tiveram que conter o riso quando o “moço do galinheiro” apareceu na Redação.

O “moço do galinheiro”
Quando entrei na sala do redator-chefe, fiquei maravilhado. Atrás da cadeira dele havia uma estante de madeira cheia de livros. Na parede à direita, dois quadros com pinturas de cenas bíblicas ornamentavam o ambiente. Sentei-me em frente à mesa de madeira escura e, enquanto o pastor Lessa me fazia várias perguntas – relacionadas à minha conversão, passando por meu casamento e atuação na igreja, até o meu trabalho na escola adventista de Florianópolis e na Rádio Novo Tempo –, estremeci só de pensar que daquela conversa dependia todo o meu futuro. Elevei a Deus uma prece silenciosa.

O sinal do meio-dia soou, interrompemos a conversa e fomos almoçar no refeitório da empresa. A comida era vegetariana e centenas de funcionários faziam suas refeições ali todos os dias. Depois do almoço, sempre dava fazer uma caminhada em meio aos jardins. Que contraste entre aquele ambiente tranquilo e o corre-corre dos meus dias em Florianópolis, quando mal dava para engolir o almoço antes de entrar no ar.

À uma hora, o pastor Lessa e eu estávamos de volta à sala dele. Depois de mais alguns minutos de conversa e uma prova oral de conhecimentos gerais, fui submetido a um exame escrito de gramática, na sala de reuniões da Redação – apropriadamente batizada de Sala de Reuniões Guilherme Stein Jr., já que esse pioneiro havia sido o primeiro editor a produzir literatura adventista em língua portuguesa, além de ter sido o primeiro converso da Igreja Adventista batizado no Brasil.

Às quinze horas, o sinal soou novamente, deixando-me confuso. Seria o fim do expediente, tão cedo? Depois fui informado de que além dos costumeiros sinais de início e fim da jornada de trabalho e do intervalo para almoço, o sinal soa às nove e às quinze horas, avisando os funcionários de que é o momento da pausa para oração. Onde quer que esteja, a pessoa – funcionário ou visitante – é convidada a participar de uma prece pelo trabalho desempenhado na editora e pela pregação do evangelho. Aquilo me deixou impressionado.

Terminado o exame, fui levado para um tour pela editora. Pude ver as enormes impressoras planas e a rotativa de vários metros de comprimento, capazes de imprimir milhares de páginas por hora com textos que salvam e instruem. Pude ouvir algumas histórias relacionadas com a editora, como a do ex-presidiário transformado por um folheto. Quando foi libertado, ele não sabia que rumo dar a sua vida. Sentado numa sarjeta após a chuva, ele pôde ver um pedaço de papel amassado vindo em sua direção, boiando no fio de água que corria embaixo de suas pernas. Ele pegou o folheto impresso pela Casa Publicadora Brasileira, leu a mensagem, procurou uma igreja adventista, recebeu estudos bíblicos, foi batizado e começou nova vida.

Essa era apenas uma entre muitas histórias que mostram que a CPB é mais do que apenas uma editora de livros e revistas. Seria bom demais fazer parte dessa história, dessa missão...

À noite, depois de me levar para jantar, o pastor Lessa gentilmente me mostrou a cidade de Tatuí, também conhecida como “cidade da música”, devido ao fato de abrigar um famoso conservatório musical mundialmente conhecido. O centro da cidade fica a uns dez quilômetros da CPB. O município tem quase duzentos anos, mas a população não passa muito de cem mil habitantes e dá para contar nos dedos o número de edifícios. No entanto, o que me chamou a atenção mesmo foi a quantidade de praças na cidade. Pareceu-me haver uma por quarteirão.

Às 23h30 embarquei no ônibus que me levaria a Curitiba, onde tomaria outro para Florianópolis. Dormi pouco na viagem que durou toda a madrugada, pois o veículo parava muito e minha mente estava fervilhando de pensamentos e sonhos. Mal via a hora de poder contar para a Débora tudo o que eu havia visto.

*****

Trinta longos dias se passaram sem que eu recebesse qualquer notícia da Casa Publicadora Brasileira. Já estava me consolando com o pensamento de que havia sonhado alto demais, afinal, eu era apenas um jovem recém-formado, sem muita experiência em jornalismo e menos ainda do ramo editorial. Devia haver muita gente interessada no cargo que eu poderia ocupar na editora. Então por que eu?

Enquanto aguardava a quebra do silêncio angustiante, lembrei-me de algumas cartas que havia trocado com um jornalista adventista que, como eu, dava aulas de História em Curitiba. Ruben Dargã Holdorf era também repórter do jornal O Estado do Paraná (hoje ele é professor no curso de Jornalismo do Unasp). Não sei bem como iniciamos a correspondência (na época ainda não usávamos e-mail), só sei que procurávamos animar um ao outro, pois nosso desejo era de contribuir na obra de Deus por meio de nossos talentos e formação.

Numa dessas cartas, datada de 14 de julho de 1997, Dargã escreveu: “Graças ao poder divino, temos suportado todas as provas, galgando sempre novos degraus e, assim, aperfeiçoado nosso caráter. Fique certo de que estaremos orando para o Senhor apresentar a você e sua família Seus planos. Confie nEle e aceite o que vier. Viva o presente, confiando que o futuro pertence a Ele somente. Mais para frente Deus repartirá com você Seus anseios e desejos. Nós também vivemos uma tremenda expectativa, mas aprendemos, após muito apanhar, que, às vezes, precisamos nos aperfeiçoar mais na escola da vida, do dia a dia. Assim, nossa esperança cresce.”

De fato, o sofrimento e as lutas nos preparam para enfrentar a vida. Moisés teve que passar quarenta anos no deserto pastoreando as ovelhas do sogro, até que Deus o considerou apto para a tarefa gigantesca de guiar milhões de pessoas à terra prometida. Paulo também teve sua escola no deserto antes de poder falar às multidões. Longe de querer me comparar a esses gigantes da fé, o que quero destacar é que o meu “deserto” durou pouco: apenas dois anos e meio.

Numa manhã de abril, o telefone tocou na redação da rádio. Era o presidente da Associação Catarinense.

– Olá, pastor. O senhor tem alguma notícia para mim?

– Tenho sim. Mas não sei se é o que você gostaria de ouvir...

Não sei por que, tive a impressão de que ele estava brincando comigo e tentei averiguar.

– O senhor está brincando...

– Estou, sim, filho. Pode arrumar as malas. A CPB te chama. Eles precisam de um editor associado para livros didáticos. Alguém que escreva bem e que tenha experiência em sala de aula. Parece que acharam a pessoa certa.

Livros didáticos! O pastor Lessa tinha comentado isso comigo durante a entrevista, mas na ocasião eu não me havia dado conta de como as coisas se encaixavam perfeitamente e de como o meu “deserto” realmente não fora tão prolongado. Meus dois anos e meio de experiência em sala de aula haviam sido o verdadeiro teste; a preparação adequada. E pude constatar mais uma vez que o trabalho bem feito, não importa qual seja – se numa metalúrgica ou numa escola –, é um verdadeiro cartão de visitas que depõe contra ou a favor de nós. Conforme escreveu Ellen White, “aquilo que merece ser feito, merece ser bem feito” (Mensagens aos Jovens, p. 145).

*****

No dia 1º de maio de 1998, um dia frio de feriado, entramos na casa alugada em que moraríamos a partir dali. Uma casa de meio lote no bairro Junqueira, em Tatuí. A casa estava praticamente vazia, pois não tínhamos mobília. Mas era a nossa casa. A partir dali iríamos ter nossa vida. Era como se estivéssemos começando a vida de casados. Uma nova vida em todos os sentidos.

O escritório na Redação da Casa Publicadora Brasileira (2005)
No dia seguinte, abri a porta da minha sala na redação da Casa Publicadora Brasileira. Sentei-me na cadeira giratória em frente ao computador. Contemplei o jardim que podia ser visto através da janela do escritório. O céu estava azul, sem nuvens. Com um sorriso nos lábios, repeti em pensamento: “Bom é o Senhor para os que esperam por Ele, para a alma que O busca.”

9 comentários:

Nayara Lessa disse...

Que lindo Michelson esse texto. Me fez imaginar que também posso sonhar e que esses sonhos podem um dia se tornar reais! Formei em jornalismo há três, trabalho na assessoria de comunicação da Federação do Comércio no Acre. Depois dessa história, vou procurar fazer melhor ainda meu trabalho, para honra e glória de Deus onde quer que esteja.

Obrigada,

Nayara Lessa

Márcio disse...

Michelson Borges e Debora Borges,
Digam realmente a verdade. Vocês já tem o livro pronto e demoram a postar o próximo capítulo só para nos deixar ansiosos....
Já ouvi você pregar na IASD José Bonifácio na Zona Leste de SP sobre os bastidores da mídia. Li livros seus mas não conhecia sua história de vida. Te sigo no twitter. Te admiro. Deus abençoe vocês. Taí outra pessoa inteligente e legal para ficar conversando pela eternidade depois que Jesus voltar.

André Luiz Marques disse...

Michelson e Débora,
Parabéns pela história de vida, sempre confiando no Senhor, apesar das dificuldades! Obrigado por compartilhar conosco seus bons e maus momentos que, como bem escreveu a Nayara acima, nos inspira.
Sou mais um dos que têm você, Michelson, como um espelho, logo depois do exemplo do Senhor Jesus e paralelamente a outros grandes homens cristãos que conheço e os da história.
Muitos pontos de minha vida são parecidos com os seus, aqui apresentados. Era católico, conheci a Igreja Adventista do Sétimo Dia em 2006 e recebi o batismo em 2008; conheci o criacionismo (principalmente por meio do seu blog) logo que comecei a cursar faculdade de Geografia, na estadual de Maringá, e hoje mantenho dois blogs criacionistas para ajudar outros a conhecer a Deus também pela ciência; já debati diplomaticamente criacionismo e evolucionismo na faculdade para ver se ajudava alguém; fui diácono da IASD da Vila 7 de Maringá; comecei este ano a trabalhar como professor de Geografia no Colégio Adventista Centenário, em Curitiba, realizando um sonho pedido a Deus; também tive o "coração na mão" ao passar pela entrevista de emprego, feita na ASP; meu maior sonho é estar em breve no Céu com minha família e queridos; gosto de escrever, desenhar e criar maquetes de aeronaves; etc.
Tive a felicidade de assistir uma palestra sua sobre criacionismo na IASD Central de Maringá, em maio de 2010 - onde tirei uma foto ao seu lado, que guardo com muito apreço e gratidão. Sou leitor acíduo dos seus livros e artigos, por julgar serem de alta qualidade. Recentemente, tomei a liberdade de usar seus slides "Contrastes - Criacionismo e evolucionismo" e "Escrito nas Estrelas" para auxiliar em minhas aulas sobre o tema das origens. Os alunos gostaram, participaram e refletiram muito, principalmente os menores. Dei os devidos créditos e tudo. De fato, o tema me fascina.
Sonho agora em encontrar uma companheira, aqui em Ctba, que me complete, assim como a Débora te completa, e formar uma família para a honra e glória de Jesus.
Finalizo agradecendo por você ser essa pessoa maravilhosa que é, dando o exemplo de um homem de Deus. Desculpe a delonga. Até mais, "moço do galinheiro" (rs)!

Unknown disse...

Gostei muito desse testemunho.

Que Deus abençoe a vc e sua família

Dani Gonçalves disse...

Adorei! Era isso que eu precisava ouvir, ou melhor, ler!

Obrigada.

Leo disse...

Que testemunho! Acho fantástico como Deus conduz nossa vida e nos leva ao encontro de nossos sonhos. Parabéns a vc Michelson e sua esposa. Que Deus os (continue)abençõe ainda mais.

Agora deixa eu colocar seu blog no meu favorito.

Abraço.

Marcela de Abreu disse...

Que história linda!! Me emocionei várias vezes, mas isso não foi o melhor de tudo... Desde que comecei a ler esses textos, sinto que Deus está fortalecendo mais a minha fé a cada dia!

Vocês têm que transformar estes capítulos em livro, são um testemunho e tanto!

Denis Cruz disse...

Meu amigo,

Nunca faltam peças no quebra-cabeças de Deus. No final, todas as peças se encaixam perfeitamente.

O que acontece, às vezes, é que desistimos antes da imagem ser montada por completo.

Deus continue abençoando o ministério de sua família.

Adriana Vaz disse...

Que história!
Ri muito (da foto no "galinheiro" rsrs), chorei de emoção em ver como DEUS dirige e prepara-nos para a Sua obra.
Que DEUS seja louvado através de sua vida e de sua família!
Que DEUS os abençoe ricamente!
Adriana Vaz