sexta-feira, janeiro 06, 2006

Capítulo 1 - Frente a frente com o inimigo

Michelson Borges

Tínhamos acabado de assistir no cinema ao filme Ghost, do Outro Lado da Vida. Mesmo sabendo que se tratava de uma história irreal, em alguns momentos meus olhos ficaram úmidos. A razão me dizia que o enredo era pura ilusão, mas meus sentimentos haviam sido tocados – e não é isso o que faz a maioria dos filmes?

Torres da Igreja Matriz
O frio era tão intenso que eu não tinha coragem de tirar as mãos do bolso para conferir que horas eram. O relógio da torre da Igreja Matriz estava escondido pelos prédios da rua onde estava localizado o antigo Cine Ópera. Devia ser quase onze da noite. De qualquer forma, estava bastante tarde para minha amiga Simone, uma loira alta e bonita, ir para casa sozinha. Dispus-me a levá-la até sua residência e nos despedimos de nossos outros amigos que também haviam assistido ao filme.

À medida que caminhávamos pelas calçadas já desertas (eram poucos àquela hora os que se aventuravam a encarar a brisa gelada do inverno criciumense), Simone partilhava comigo os sérios problemas pelos quais sua família estava passando. Segundo ela, o pai vinha agindo de maneira estranha. Por duas ou três vezes, as feições dele ficaram transtornadas e a voz, alterada. Nessas ocasiões, ele dizia ser a avó da minha amiga. O maior problema é que essa avó estava morta fazia alguns anos.

– Como vocês podem ter certeza de que não se trata de brincadeira, algum problema mental ou coisa parecida? – perguntei, tentando sondar todas as possibilidades antes de expor o pensamento que tomava forma em minha mente.

– Michelson, você deveria ver aquilo. Ele fala com a voz dela! É muito estranho. Não acredito que seja uma simples doença.

– Por que não?

– Numa dessas ocasiões em que meu pai disse ser a mãe dele, chegou a mencionar um objeto que eu havia perdido algum tempo atrás.

– E o que tem isso?

– Somente minha avó e eu sabíamos disso!

– Você tem certeza?

– Absoluta. Além do mais, minha mãe também disse que não há como explicar de outra forma certas coisas que meu pai diz e faz nesses momentos.

– E o que vocês acham que significa tudo isso? – perguntei já prevendo a resposta.

– Que é o espírito da minha avó. Só não sei por que ela está fazendo isso com a nossa família.

Fiquei calado por alguns segundos, pensando em como dizer o que eu estava pensando. Não sabia o que podia ser pior: o suposto “espírito” de uma mulher morta ou...

– Sabe, amigo – ela interrompeu meus pensamentos e quebrou o silêncio, – somos muito católicos e jamais pensamos em recorrer ao espiritismo. Mas acho que só temos essa opção agora.

Imediatamente pensei em como o inimigo de Deus nos empurra para certas armadilhas. E justamente naquela noite tínhamos que assistir Ghost, um filme declaradamente espírita? Bem, de qualquer forma, aquela era uma boa oportunidade para falar sobre o estado dos mortos segundo a Bíblia. E eu aproveitei:

– Simone, preste bem atenção ao que vou lhe dizer. Tenho estudado bastante a Bíblia ultimamente, como você deve saber, e o melhor conselho que posso lhe dar é: não busque a ajuda do espiritismo.

– Por que não? Se é mesmo o espírito da minha avó, talvez um médium ou coisa parecida possa nos ajudar a saber o que ela quer.

– Eu sei que você crê na Bíblia, assim como eu. E é exatamente por esse motivo que vocês não devem cair nessa cilada.

– Não estou entendendo. Cilada?

– Tudo o que vimos naquele filme não passa de ilusão diabólica – minha amiga me observava fixamente, sem piscar, enquanto caminhamos pelas ruas agora totalmente desertas, a meio caminho da casa dela. – A Palavra de Deus assegura que as pessoas, quando morrem, como que adormecem. Basta ler textos como João 11:11-14 e Mateus 9:24. Além do mais, de acordo com o livro de Gênesis, nós não temos uma alma imortal. Nós somos essa alma.

– Como assim?

– Está escrito em Gênesis 2, verso 7: Deus fez o homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida. Então, o ser humano se tornou alma vivente. Não está escrito que ele recebeu uma alma.

– Mas só podia ser a alma da minha avó...

– Calma. Eu chego lá. Quando Satanás tentou Eva, ele disse que mesmo que ela desobedecesse certamente não morreria, embora Deus tivesse dito claramente que o “salário do pecado é a morte”. Você percebe? Até hoje o inimigo tenta fazer as pessoas acreditarem que, independentemente do que façam, viverão para sempre.

– Mas como você pode provar que os mortos não se comunicam com os vivos?

– Como lhe disse, isso é o que descobri na Bíblia. Em Eclesiastes, capítulo 9, versos 5, 6 e 10, está escrito que os mortos não têm mais parte alguma no que se faz neste mundo. Em Levítico 19:31 e em outros textos, a Bíblia condena a prática de se consultar os mortos.

– Então o ser humano não tem uma alma imortal? É isso o que a Bíblia diz?

– Exatamente. O único que possui imortalidade inerente é o Criador, conforme 1 Timóteo 6:16. Se os seres humanos são mesmo imortais, por que Bíblia diz que um dia, na segunda vinda de Cristo, seremos “revestidos de imortalidade”? Isso está escrito em 1 Coríntios 15:53 e 54. Por que ser revestidos de algo que já temos? – eu estava realmente surpreso com a facilidade com que me lembrava dos textos bíblicos.

– E o espírito, o que é?

– Segundo a compreensão bíblica mais usual, nada mais é que o “fôlego de vida” dos seres vivos. Não é à toa que Salomão escreveu, em Eclesiastes 3:19, que os seres humanos e os animais têm o mesmo fôlego. Quando morrem, o pó da terra, ou corpo, volta a terra e o fôlego volta a Deus. Está lá em Eclesiastes 12:7. Assim, os seres humanos mortos permanecem no pó até que Deus os chame de volta à vida, por ocasião do retorno de Jesus. [cf. João 5:28, 29 e 1 Tessalonicenses 4:13-16.] Por isso mesmo, antes da ressurreição, os mortos não podem participar do mundo dos vivos.

– Você mencionou duas vezes a volta de Jesus. Acredita mesmo nisso?

– De todo o meu coração. Foi Ele mesmo quem prometeu voltar e essa promessa está espalhada nas páginas da Bíblia. Deus não brincaria com um assunto tão sério. Na verdade, hoje entendo que a volta de Jesus será a solução definitiva para todos os problemas da humanidade.

– O que você acha, então, que está acontecendo com o meu pai – percebi um tom de angústia na voz da minha amiga. Profundamente comovido com a situação, olhei nos olhos dela e disse:

– O único interessado em afastá-los de Jesus é Satanás. Ele pode se transformar em anjo de luz e assumir a forma de quem quiser, a fim de reforçar a ideia que ele criou de que as pessoas têm essa tal alma imortal. O pensamento seguinte é: “Então pra que seguir a Jesus e aceitá-Lo como Salvador e Senhor? Se sou imortal, a despeito do que faço ou deixo de fazer, viverei para sempre.” Imortalidade inerente e reencarnação não combinam com redenção. É o que diz Paulo em Hebreus 9:27.

– E as informações que só minha avó e eu conhecíamos?

– Você tem certeza de que só vocês duas sabiam dessas coisas?

– É, você tem razão... O diabo também pode ter tido acesso a essas informações.

– Sim. E não se esqueça de que ele tem seus ajudantes, anjos caídos que trabalham juntamente para o mal.

Estávamos bem perto da casa da Simone quando, de repente, algo muito estranho aconteceu. Na verdade, creio que foi a sensação mais assustadora pela qual passei em toda a minha vida. Quando comecei a falar sobre o poder libertador de Cristo e que a família dela deveria estudar a Bíblia e buscar mais a Deus, senti uma forte pressão no peito, como se mãos poderosas e invisíveis estivessem me apertando. Imediatamente parei de falar. O fôlego não saía. Mal conseguia respirar. A Simone percebeu minha angústia.

– O que foi, Michelson? Você não está se sentindo bem? Está pálido!

Meio recurvado, com uma mão no peito e a outra estendida para minha amiga, tentei acalmá-la, assegurando-lhe de que não devia ser nada sério. Mas eu sabia que aquela não era uma situação normal. Sempre tive boa saúde e nada parecido me havia acontecido antes. Ao chegar em frente à casa da Simone, ela me convidou para entrar. Naquele momento, juntamente com a falta de ar, um pavor inexplicável tomou conta de mim. Um calafrio me percorreu a espinha, eriçando os cabelos da nuca. Era como se dentro daquela casa houvesse uma força desconhecida prestes a me destruir. Tentando não demonstrar o medo que tomava conta de mim, disse a ela que estava tarde e que eu devia voltar para minha casa. Relutantemente, ela concordou e entrou pelo portão do jardim, agradecendo-me a companhia e desejando-me boa noite.

Voltar para casa sozinho não foi fácil. Caminhei pelo meio da rua. Tinha a nítida impressão de que olhos invisíveis me observavam por detrás das árvores, das sombras e dos muros nas calçadas. Cerrei os punhos esperando o ataque de um inimigo; de algo que poderia saltar sobre mim a qualquer momento. Nunca havia sentido tanto medo em meus dezenove anos de vida. Sempre fui muito racional, valorizando o pensamento científico e as explicações lógicas para as coisas. Entretanto, por mais que tentasse lutar com meus pensamentos, era impossível negar o fato de que eu estava experimentando uma situação sobrenatural.

A respiração, aos poucos, voltou ao normal, mas continuei ofegante por estar caminhando muito rápido, quase correndo. Debaixo do blazer de lã, apesar do frio, o corpo todo transpirava. Queria chegar logo em casa. Seja lá o que estivesse me seguindo eu sabia que não teria forças para enfrentar. Na verdade, era esse o pensamento que me atormentava e que, subitamente, caiu sobre mim com o peso de uma terrível revelação: não tenho forças para enfrentar o mal.

Quando cheguei em casa, recriminei-me por ter resolvido mudar meu quarto para o porão. Pela primeira vez na vida, estremeci com a ideia de ter que dormir sozinho. Abri a porta do andar de cima e desci pela escada de madeira que dava acesso ao porão, aparentemente muito mais escuro naquela noite. Rapidamente acendi a luz. Tudo estava em seu devido lugar: a estante com meus preciosos livros e revistas em quadrinhos; os pôsteres na parede; a maquete da nave da série “Jornada nas Estrelas” que eu mesmo havia construído com papelão; enfim, era mesmo o meu quarto. E como era bom finalmente estar em um lugar familiar! Em minha “toca”. Meu refúgio.

Mesmo assim, aquele estranho medo e aquela situação apavorante em frente à casa da Simone não me saíam da mente. Ajoelhei-me à beira da cama e disse a Deus em pensamento: “Senhor, perdoa-me, pois sei que tenho que tomar uma importante decisão e a tenho adiado tanto. Como tenho sido hipócrita em querer pregar a outras pessoas uma mensagem que eu mesmo ainda não vivo. Obrigado por teres me protegido nesta noite. Sei que Satanás poderia ter me destruído, não fosse o Teu cuidado. Ajuda-me, Senhor. Quero vestir Tua armadura. Quero ser forte contra o mal. Quero me entregar completamente a Ti. Mas preciso de Tua ajuda para dar esse passo. Por favor, não me abandones. Em nome de Jesus, amém.”

Depois de orar, me senti um pouco mais tranquilo e seguro. Mesmo assim, resolvi deitar sem ir ao banheiro e dormi de luz acesa. Pelo menos naquela noite.

Conhecida como "capital brasileira do carvão", Criciúma destaca-se também pelos setores cerâmico e têxtil. De colonização italiana, alemã, polonesa, portuguesa e africana, tem quase 200 mil habitantes

3 comentários:

Anónimo disse...

Isso é q eu chamo de literatura... Sua experiência me edificou hoje um pouco mais, eu me sentia em pecado, agora estou mais tranquilo, obrigado...

Moderação disse...

Olá Michels tb sou um blogueiro e gostei do seu blog , estava lendo o primeiro capitulo e posso compartilhar de uma experiência entre algumas que ja aconteceram comigo , numa estrada de terra ( sitio ) no caminho da casa da mãe de minha namorada em meio ao breu e as luzes das estrelas um espírito sarcástico baixou no tio da minha namorada e falava com a mãe dela sobre a morte do marido dela e inclusive queria falar em particular comigo, mas eu não aceitei e disse a ele que eu não queria brincadeira com ele , sou evangelico , mas faz algum tempo que não estou indo com frequencia, o que será que aquele coisa queria ?

Orelix disse...

Gostei muito da sua explicação sobre a mortalidade da alma (se é que assim podemos chamar o espírito humano); os versículos que você citou eu nunca tinha reparado, e me chamaram muita atenção pela sua clareza.
Foi muito bom ver sua sabedoria ao expor isto a uma amiga prestes a se envolver no espiritismo; isto me serve como base, pois estou na mesma situação.