Tínhamos acabado de assistir no cinema ao filme Ghost, do Outro Lado da Vida. Mesmo sabendo que se tratava de uma história irreal, em alguns momentos meus olhos ficaram úmidos. A razão me dizia que o enredo era pura ilusão, mas meus sentimentos haviam sido tocados – e não é isso o que faz a maioria dos filmes?
Torres da Igreja Matriz |
À medida que caminhávamos pelas calçadas já desertas (eram poucos àquela hora os que se aventuravam a encarar a brisa gelada do inverno criciumense), Simone partilhava comigo os sérios problemas pelos quais sua família estava passando. Segundo ela, o pai vinha agindo de maneira estranha. Por duas ou três vezes, as feições dele ficaram transtornadas e a voz, alterada. Nessas ocasiões, ele dizia ser a avó da minha amiga. O maior problema é que essa avó estava morta fazia alguns anos.
– Como vocês podem ter certeza de que não se trata de brincadeira, algum problema mental ou coisa parecida? – perguntei, tentando sondar todas as possibilidades antes de expor o pensamento que tomava forma em minha mente.
– Michelson, você deveria ver aquilo. Ele fala com a voz dela! É muito estranho. Não acredito que seja uma simples doença.
– Por que não?
– Numa dessas ocasiões em que meu pai disse ser a mãe dele, chegou a mencionar um objeto que eu havia perdido algum tempo atrás.
– E o que tem isso?
– Somente minha avó e eu sabíamos disso!
– Você tem certeza?
– Absoluta. Além do mais, minha mãe também disse que não há como explicar de outra forma certas coisas que meu pai diz e faz nesses momentos.
– E o que vocês acham que significa tudo isso? – perguntei já prevendo a resposta.
– Que é o espírito da minha avó. Só não sei por que ela está fazendo isso com a nossa família.
Fiquei calado por alguns segundos, pensando em como dizer o que eu estava pensando. Não sabia o que podia ser pior: o suposto “espírito” de uma mulher morta ou...
– Sabe, amigo – ela interrompeu meus pensamentos e quebrou o silêncio, – somos muito católicos e jamais pensamos em recorrer ao espiritismo. Mas acho que só temos essa opção agora.
Imediatamente pensei em como o inimigo de Deus nos empurra para certas armadilhas. E justamente naquela noite tínhamos que assistir Ghost, um filme declaradamente espírita? Bem, de qualquer forma, aquela era uma boa oportunidade para falar sobre o estado dos mortos segundo a Bíblia. E eu aproveitei:
– Simone, preste bem atenção ao que vou lhe dizer. Tenho estudado bastante a Bíblia ultimamente, como você deve saber, e o melhor conselho que posso lhe dar é: não busque a ajuda do espiritismo.
– Por que não? Se é mesmo o espírito da minha avó, talvez um médium ou coisa parecida possa nos ajudar a saber o que ela quer.
– Eu sei que você crê na Bíblia, assim como eu. E é exatamente por esse motivo que vocês não devem cair nessa cilada.
– Não estou entendendo. Cilada?
– Tudo o que vimos naquele filme não passa de ilusão diabólica – minha amiga me observava fixamente, sem piscar, enquanto caminhamos pelas ruas agora totalmente desertas, a meio caminho da casa dela. – A Palavra de Deus assegura que as pessoas, quando morrem, como que adormecem. Basta ler textos como João 11:11-14 e Mateus 9:24. Além do mais, de acordo com o livro de Gênesis, nós não temos uma alma imortal. Nós somos essa alma.
– Como assim?
– Está escrito em Gênesis 2, verso 7: Deus fez o homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida. Então, o ser humano se tornou alma vivente. Não está escrito que ele recebeu uma alma.
– Mas só podia ser a alma da minha avó...
– Calma. Eu chego lá. Quando Satanás tentou Eva, ele disse que mesmo que ela desobedecesse certamente não morreria, embora Deus tivesse dito claramente que o “salário do pecado é a morte”. Você percebe? Até hoje o inimigo tenta fazer as pessoas acreditarem que, independentemente do que façam, viverão para sempre.
– Mas como você pode provar que os mortos não se comunicam com os vivos?
– Como lhe disse, isso é o que descobri na Bíblia. Em Eclesiastes, capítulo 9, versos 5, 6 e 10, está escrito que os mortos não têm mais parte alguma no que se faz neste mundo. Em Levítico 19:31 e em outros textos, a Bíblia condena a prática de se consultar os mortos.
– Então o ser humano não tem uma alma imortal? É isso o que a Bíblia diz?
– Exatamente. O único que possui imortalidade inerente é o Criador, conforme 1 Timóteo 6:16. Se os seres humanos são mesmo imortais, por que Bíblia diz que um dia, na segunda vinda de Cristo, seremos “revestidos de imortalidade”? Isso está escrito em 1 Coríntios 15:53 e 54. Por que ser revestidos de algo que já temos? – eu estava realmente surpreso com a facilidade com que me lembrava dos textos bíblicos.
– E o espírito, o que é?
– Segundo a compreensão bíblica mais usual, nada mais é que o “fôlego de vida” dos seres vivos. Não é à toa que Salomão escreveu, em Eclesiastes 3:19, que os seres humanos e os animais têm o mesmo fôlego. Quando morrem, o pó da terra, ou corpo, volta a terra e o fôlego volta a Deus. Está lá em Eclesiastes 12:7. Assim, os seres humanos mortos permanecem no pó até que Deus os chame de volta à vida, por ocasião do retorno de Jesus. [cf. João 5:28, 29 e 1 Tessalonicenses 4:13-16.] Por isso mesmo, antes da ressurreição, os mortos não podem participar do mundo dos vivos.
– Você mencionou duas vezes a volta de Jesus. Acredita mesmo nisso?
– De todo o meu coração. Foi Ele mesmo quem prometeu voltar e essa promessa está espalhada nas páginas da Bíblia. Deus não brincaria com um assunto tão sério. Na verdade, hoje entendo que a volta de Jesus será a solução definitiva para todos os problemas da humanidade.
– O que você acha, então, que está acontecendo com o meu pai – percebi um tom de angústia na voz da minha amiga. Profundamente comovido com a situação, olhei nos olhos dela e disse:
– O único interessado em afastá-los de Jesus é Satanás. Ele pode se transformar em anjo de luz e assumir a forma de quem quiser, a fim de reforçar a ideia que ele criou de que as pessoas têm essa tal alma imortal. O pensamento seguinte é: “Então pra que seguir a Jesus e aceitá-Lo como Salvador e Senhor? Se sou imortal, a despeito do que faço ou deixo de fazer, viverei para sempre.” Imortalidade inerente e reencarnação não combinam com redenção. É o que diz Paulo em Hebreus 9:27.
– E as informações que só minha avó e eu conhecíamos?
– Você tem certeza de que só vocês duas sabiam dessas coisas?
– É, você tem razão... O diabo também pode ter tido acesso a essas informações.
– Sim. E não se esqueça de que ele tem seus ajudantes, anjos caídos que trabalham juntamente para o mal.
Estávamos bem perto da casa da Simone quando, de repente, algo muito estranho aconteceu. Na verdade, creio que foi a sensação mais assustadora pela qual passei em toda a minha vida. Quando comecei a falar sobre o poder libertador de Cristo e que a família dela deveria estudar a Bíblia e buscar mais a Deus, senti uma forte pressão no peito, como se mãos poderosas e invisíveis estivessem me apertando. Imediatamente parei de falar. O fôlego não saía. Mal conseguia respirar. A Simone percebeu minha angústia.
– O que foi, Michelson? Você não está se sentindo bem? Está pálido!
Meio recurvado, com uma mão no peito e a outra estendida para minha amiga, tentei acalmá-la, assegurando-lhe de que não devia ser nada sério. Mas eu sabia que aquela não era uma situação normal. Sempre tive boa saúde e nada parecido me havia acontecido antes. Ao chegar em frente à casa da Simone, ela me convidou para entrar. Naquele momento, juntamente com a falta de ar, um pavor inexplicável tomou conta de mim. Um calafrio me percorreu a espinha, eriçando os cabelos da nuca. Era como se dentro daquela casa houvesse uma força desconhecida prestes a me destruir. Tentando não demonstrar o medo que tomava conta de mim, disse a ela que estava tarde e que eu devia voltar para minha casa. Relutantemente, ela concordou e entrou pelo portão do jardim, agradecendo-me a companhia e desejando-me boa noite.
Voltar para casa sozinho não foi fácil. Caminhei pelo meio da rua. Tinha a nítida impressão de que olhos invisíveis me observavam por detrás das árvores, das sombras e dos muros nas calçadas. Cerrei os punhos esperando o ataque de um inimigo; de algo que poderia saltar sobre mim a qualquer momento. Nunca havia sentido tanto medo em meus dezenove anos de vida. Sempre fui muito racional, valorizando o pensamento científico e as explicações lógicas para as coisas. Entretanto, por mais que tentasse lutar com meus pensamentos, era impossível negar o fato de que eu estava experimentando uma situação sobrenatural.
A respiração, aos poucos, voltou ao normal, mas continuei ofegante por estar caminhando muito rápido, quase correndo. Debaixo do blazer de lã, apesar do frio, o corpo todo transpirava. Queria chegar logo em casa. Seja lá o que estivesse me seguindo eu sabia que não teria forças para enfrentar. Na verdade, era esse o pensamento que me atormentava e que, subitamente, caiu sobre mim com o peso de uma terrível revelação: não tenho forças para enfrentar o mal.
Quando cheguei em casa, recriminei-me por ter resolvido mudar meu quarto para o porão. Pela primeira vez na vida, estremeci com a ideia de ter que dormir sozinho. Abri a porta do andar de cima e desci pela escada de madeira que dava acesso ao porão, aparentemente muito mais escuro naquela noite. Rapidamente acendi a luz. Tudo estava em seu devido lugar: a estante com meus preciosos livros e revistas em quadrinhos; os pôsteres na parede; a maquete da nave da série “Jornada nas Estrelas” que eu mesmo havia construído com papelão; enfim, era mesmo o meu quarto. E como era bom finalmente estar em um lugar familiar! Em minha “toca”. Meu refúgio.
Mesmo assim, aquele estranho medo e aquela situação apavorante em frente à casa da Simone não me saíam da mente. Ajoelhei-me à beira da cama e disse a Deus em pensamento: “Senhor, perdoa-me, pois sei que tenho que tomar uma importante decisão e a tenho adiado tanto. Como tenho sido hipócrita em querer pregar a outras pessoas uma mensagem que eu mesmo ainda não vivo. Obrigado por teres me protegido nesta noite. Sei que Satanás poderia ter me destruído, não fosse o Teu cuidado. Ajuda-me, Senhor. Quero vestir Tua armadura. Quero ser forte contra o mal. Quero me entregar completamente a Ti. Mas preciso de Tua ajuda para dar esse passo. Por favor, não me abandones. Em nome de Jesus, amém.”
Depois de orar, me senti um pouco mais tranquilo e seguro. Mesmo assim, resolvi deitar sem ir ao banheiro e dormi de luz acesa. Pelo menos naquela noite.
3 comentários:
Isso é q eu chamo de literatura... Sua experiência me edificou hoje um pouco mais, eu me sentia em pecado, agora estou mais tranquilo, obrigado...
Olá Michels tb sou um blogueiro e gostei do seu blog , estava lendo o primeiro capitulo e posso compartilhar de uma experiência entre algumas que ja aconteceram comigo , numa estrada de terra ( sitio ) no caminho da casa da mãe de minha namorada em meio ao breu e as luzes das estrelas um espírito sarcástico baixou no tio da minha namorada e falava com a mãe dela sobre a morte do marido dela e inclusive queria falar em particular comigo, mas eu não aceitei e disse a ele que eu não queria brincadeira com ele , sou evangelico , mas faz algum tempo que não estou indo com frequencia, o que será que aquele coisa queria ?
Gostei muito da sua explicação sobre a mortalidade da alma (se é que assim podemos chamar o espírito humano); os versículos que você citou eu nunca tinha reparado, e me chamaram muita atenção pela sua clareza.
Foi muito bom ver sua sabedoria ao expor isto a uma amiga prestes a se envolver no espiritismo; isto me serve como base, pois estou na mesma situação.
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