terça-feira, abril 24, 2007

Capítulo 17 - Transições e lições

Michelson Borges

Dezembro de 1995. Depois de quatro anos de estudos e muita luta para me manter como estudante bolsista na UFSC, finalmente havia chegado o dia da formatura. Mas a minha maior recompensa não era apenas o canudo que naquele momento mágico eu segurava como um verdadeiro troféu.

Poucas semanas antes da cerimônia de formatura, tudo já estava preparado. O local escolhido foi o auditório da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. O famoso jornalista José Hamilton Ribeiro tinha aceitado o convite para ser nosso paraninfo. Mas o dia marcado para formatura tinha sido o sábado dia 17, às 18h30. Ou seja: pelo fato de ser Verão, a cerimônia teria início ainda durante as horas sagradas do sétimo dia. Não comentei sobre isso com ninguém no curso. Não queria ser inconveniente e já estava me conformando com a ideia de ter que fazer a colação de grau em separado. Foi quando um colega formando me perguntou:

– E aí, Michelson, tá preparado para a formatura? No baile eu sei que você não vai, mas a cerimônia de colação também promete!

– Bem que eu gostaria de ir...

– Ué, e por que não vai?

– Porque a cerimônia foi marcada para o sábado.

Ele nem esperou que eu desse mais explicações. Colocou a mão na cabeça e exclamou:

– Minha nossa! A gente esqueceu completamente desse detalhe. Espere aí que eu já volto.

Sentei-me na escada da recepção do curso e observei meu colega desaparecer numa das salas. Minutos depois, ele retornou sorrindo e disse:

– Conversei com o pessoal que está organizando a formatura e eles concordaram em atrasar um pouco a cerimônia para você poder participar. Imagine que iríamos deixá-lo fora! Às 19h30 está bom pra você?

– Está ótimo! Muito obrigado.

Deus estava me dando um segundo presente ao permitir que eu participasse com meus colegas da cerimônia de formatura. O primeiro havia sido minha nota máxima no projeto de conclusão do curso. Eu havia dedicado mais de um ano e gasto meus parcos recursos em pesquisas sobre a chegada do adventismo ao Brasil (posteriormente, esse livro-reportagem foi impresso pela Casa Publicadora Brasileira com o título A Chegada do Adventismo ao Brasil). Tive que viajar algumas vezes para Brusque, Lajeado Baixo, Itajaí, Jaraguá do Sul e Gaspar Alto. Entrevistei descendentes de pioneiros e visitei lugares inspiradores. Mais que um livro-reportagem, aquela pesquisa foi um incentivo para me dedicar ainda mais à pregação do evangelho, como fizeram os adventistas de um século atrás, quando dispunham de pouquíssimos recursos para o trabalho. Tudo o que vi, ouvi, li e registrei ajudou a solidificar ainda mais a minha fé num movimento religioso que nasceu no coração de Deus.

Entre todas as viagens e pesquisas que fiz, visitar Gaspar Alto foi especialmente emocionante. Eu sabia que a ida àquele lugar seria inspiradora, por isso convidei a Débora para ir comigo. O pastor José Miranda, que me havia batizado em Criciúma, estava servindo como distrital em Brusque, e me deu todo o apoio de que precisava em minhas pesquisas lá. Naquela tarde de sexta-feira, a esposa dele, Rosemarie, foi nos buscar na rodoviária a fim de nos levar a Gaspar Alto.

Já era fim de tarde quando iniciamos a subida da estrada de terra que leva ao local onde viveram os primeiros conversos ao adventismo no Brasil. Muitas curvas e buracos depois, finalmente chegamos. Gaspar Alto é uma vila incrustada num vale entre as montanhas. Pouca coisa mudou em um século, o que nos faz respirar ali um ar de pioneirismo e história ainda hoje.

O casal Eliseu e Iria Calson nos esperava com um delicioso lanche à mesa. Ficaríamos hospedados na casa deles enquanto eu faria as pesquisas e entrevistas naquele fim de semana. Lanchamos à luz de velas pois havia faltado energia naquela noite. Conversamos um pouco e depois fomos dormir, a Débora num quarto de hóspedes e eu num colchão na sala.

De manhã, depois do desjejum, fomos à igreja. No trajeto, alguns irmãos passaram por nós de carroça. Parecia que havíamos voltado no tempo. Depois de alguns minutos, chegamos ao pequeno templo que fica exatamente no mesmo local onde fora construída em 1896 a primeira casa que havia servido de local de reuniões.



Na Escola Sabatina, metade da congregação recapitulou a lição da semana em alemão e a outra metade, em português. Logo em seguida, subi à plataforma para apresentar o sermão sobre a videira verdadeira (Jesus). Fiquei emocionado ao colocar minha Bíblia sobre o púlpito de madeira centenário. Pensei em quantos sermões haviam sido pregados dali e de quantos pioneiros o haviam utilizado para animar a igreja a continuar firme até a volta de Jesus. Aqueles foram momentos muito especiais. Era muito bom poder estar naquele lugar com minha amada Débora.

À tarde, depois do almoço, o irmão Eliseu, líder da igreja, nos levou para visitar alguns descendentes dos primeiros adventistas. Gravei horas e horas de conversa e pude cruzar com os relatos daqueles irmãos as informações obtidas em minhas pesquisas no Museu Histórico do Vale do Itajaí e em outras fontes.

Em 1884, um jovem alemão conhecido como Borchardt, residente na então chamada Colônia de Brusque, em Santa Catarina, envolveu-se em uma briga, ferindo gravemente seu oponente. Com medo da polícia, resolveu fugir de Brusque em direção ao Porto de Itajaí. Lá chegando, embarcou clandestinamente em um navio que rumava para a Alemanha. Numa das escalas, acabou conhecendo dois missionários adventistas que lhe perguntam se conhecia algum protestante no Brasil. Meio desconfiado, Borchardt respondeu que o padrasto, Carlos Dreefke, era luterano. Os missionários pediram-lhe o endereço de Dreefke, deixando claro que o único interesse deles era enviar literatura religiosa para o Brasil.

Alguns meses depois, um pacote contendo revistas adventistas em alemão chegou à Colônia de Brusque, endereçado a Carlos Dreefke e com selo de Battle Creek, Estados Unidos. A encomenda foi aberta na casa comercial de Davi Hort, um típico casarão colonial de dois pavimentos, distante oito quilômetros do atual centro de Brusque. Dreefke, ainda meio desconfiado, tomou para si uma das revistas, com inscrição de capa A Voz da Verdade, e distribuiu as outras nove para seus amigos que estavam ali.

Casarão onde foi aberto o pacote contendo revistas adventistas em alemão

Com o tempo, algumas famílias demonstraram interesse por aquelas publicações que falavam, entre outras coisas, da segunda vinda de Cristo, de um estilo de vida saudável e da importância de se reservar o sábado para atividades de cunho religioso. Continuaram a pedir mais literatura usando o nome do Sr. Dreefke que, com medo de que algum dia lhe mandassem a conta de todas as revistas, acabou cancelando os pedidos futuros.

A frustração foi geral. Quem poderia assumir a responsabilidade pelas revistas? Um polonês de nome Chikiwidowski chegou a se responsabilizar pelos pedidos, mas seu entusiasmo durou pouco. Foi então que uma terceira pessoa entrou na história: Frederich Dressler.

Dressler era filho de um pastor luterano na Alemanha. Foi expulso de seu país por ser alcoólatra. Aproveitando as correntes migratórias para o Brasil, foi parar em Brusque. Trabalhou como professor, mas toda a renda dele era gasta em bebida. Quando Dressler ouviu falar das tais revistas adventistas que eram enviadas de graça, resolveu fazer um pedido com a intenção de vendê-las para alimentar o vício que o destruía.

As revistas (como a Hausfreund, “Amigos do Lar”) chegaram e, com elas, alguns livros. Entre eles, um muito especial: o Comentário Sobre o Livro de Daniel, de Urias Smith. Após a leitura desse livro, Guilherme Belz se tornaria, em 1895, o primeiro no Brasil a reconhecer o sábado como dia de descanso, graças à literatura adventista.

Em certas ocasiões, enquanto Dressler caminhava pelas ruas em busca de compradores, os folhetos caíam-lhe das mãos trêmulas. Como não havia muito papel espalhado pelo chão naquela época, as pessoas, curiosas, apanhavam os folhetos e os liam. Sem saber, Dressler prestou grande contribuição à causa adventista que ensaiava seus primeiros passos em terras brasileiras.

A editora da igreja enviou centenas de dólares em literatura que Dressler transformou em cachaça. Na venda de Davi Hort, Dressler trocava as revistas e folhetos diretamente por bebida. O Sr. Davi as usava como papel de embrulho. E foi dessa forma que a mensagem adventista conseguiu se espalhar mais e mais, alcançando famílias e corações nos quais a semente do evangelho começara a germinar.

Dez anos depois, o missionário adventista Albert Bachmeyer foi a Santa Catarina. Grande foi sua alegria quando, ao oferecer livros a uma família em Brusque, descobriu que havia adventistas ali e em Gaspar Alto. Frank Westphal era o único pastor adventista no continente. Trabalhava na Argentina e quando foi informado da descoberta de Bachmeyer, veio ao Brasil. Em fevereiro de 1895, ele desembarcou no Rio de Janeiro e seguiu primeiro para o interior de São Paulo, para batizar os primeiros conversos que já havia ali. Guilherme Stein Jr. foi o primeiro adventista brasileiro a ser batizado, numa manhã de abril de 1895.

No dia 30 de maio de 1895, o pastor Westphal chegou a Brusque, e lá encontrou os primeiros grupos de conversos ao adventismo no Brasil. Emocionados, os novos conversos ouviram pela primeira vez a pregação de um ministro adventista. Em 8 de junho de 1895, foi realizado o primeiro batismo de oito pessoas no rio Itajaí-Mirim, uns cinco ou seis quilômetros acima da então Vila de Brusque. Três dias depois, o ministro adventista realizou o segundo batismo, em Gaspar Alto. Naquele dia, mais quinze pessoas foram batizadas no riacho que passou a ser represado nessas ocasiões especiais. Com esse grupo de conversos catarinenses foi organizada a primeira congregação adventista do sétimo dia no Brasil. No ano seguinte, 1896, foi construído o primeiro templo em Gaspar Alto.

Primeiro templo de Gaspar Alto, construído em 1896
A Débora e eu estávamos ali, cem anos depois, revivendo aquelas belas histórias da atuação da providência divina. Depois das entrevistas, fomos visitar o Cemitério da Esperança, localizado num terreno atrás da igreja. Lá estão sepultados vários pioneiros, dentre os quais Guilherme Belz. Ali, naquele local bucólico no sopé de uma pequena montanha, fiquei imaginando o dia da ressurreição, quando aqueles bravos homens e mulheres se levantarem para conhecer o fruto de seu trabalho árduo. Pedi a Deus que me mantivesse fiel para encontrá-los naquele grande dia.

No domingo, visitamos mais alguns lugares e em seguida fomos conversar com a mulher que tinha o único automóvel disponível para nos levar de volta a Brusque, onde tomaríamos o ônibus para Florianópolis. Acertamos o valor do combustível e o irmão Eliseu desceu a montanha conosco, dirigindo o fusca.

O passo seguinte foi organizar todas as informações em forma de livro. Senti-me muito feliz ao perceber que alguns dos meus professores passaram a conhecer a história da minha igreja e a respeitá-la, graças ao que eu havia escrito. Foi realmente um grande privilégio poder descrever para os componentes da banca examinadora (os professores Neila Bianchin, Francisco Karan e Nilson Lage) a história de pioneirismo dos primeiros adventistas que pisaram em solo nacional.

Com as últimas economias que me haviam sobrado naquele fim de ano, comprei alguns exemplares do livro O Grande Conflito, de Ellen White, e dei-os aos meus professores e para alguns colegas mais chegados. Tinha plena consciência de que devia deixar um “rastro de luz” naquele local, afinal, era a primeira vez que um adventista passava por ali e eu não sabia quando outro viria. Assim, pude cumprir de alguma forma as palavras do meu amigo Campolim Palma, ditas anos antes diante de uma banca de livros usados no campus: “Onde as trevas são mais intensas, é justamente ali que nossa luz deve brilhar.”

Meus pais estavam lá naquela noite de sábado, juntamente com minhas irmãs, meu cunhado, sogros e a minha querida Débora. Unidos comigo na alegria da conquista de mais uma etapa importante em minha vida.



*****

Eu tinha pensado que a escolha da faculdade era uma das mais difíceis da vida e que o vestibular era o pior obstáculo para se transpor. Agora eu estava diante de decisões cruciais, que, de certa forma, tornavam aquelas pequenas: O que fazer da minha vida? Onde trabalhar? Deveria voltar para Criciúma, para a casa dos meus pais, ou continuar morando em Florianópolis?

Quando meus colegas de curso perguntavam onde eu iria trabalhar como jornalista, já que guardava o sábado, dizia que minha igreja tem uma grande editora e que eu poderia trabalhar lá (era praticamente um blefe, pois não conhecia ninguém em São Paulo, tinha poucos anos de igreja e não era teólogo; mas pelo menos silenciava meus inquisidores).

O sonho de cursar Teologia não havia saído da minha mente e resolvi pedir ao escritório estadual da Igreja Adventista uma oportunidade de experimentar a colportagem (venda de livros religiosos) numa equipe de estudantes do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). Naquele ano, a equipe trabalharia em Florianópolis e meu plano era me unir a eles para adquirir experiência, depois de terminado meu projeto de conclusão de curso. Encerradas minhas atividades na universidade, fui procurar o líder dos estudantes e fiquei sabendo de uma mudança de última hora: devido às fortes chuvas das semanas anteriores, houve enchentes e deslizamentos de terra na Capital, o que fez com que a equipe resolvesse mudar o campo de trabalho, indo para o município de São Bento do Sul. Àquelas alturas, eles já estavam trabalhando lá havia algum tempo. Isso, mais a distância, foram fatores que acabaram inviabilizando meu ingresso na equipe.

E agora? Lá estava eu, sozinho na casa de madeira que havia alugado com o Lauro, o Luís e o Cláudio (eles já estavam desfrutando as férias) e sem saber o que fazer. Foi então que resolvi estudar o livro O Colportor de Êxito e tentar trabalhar por conta própria. Consegui alguns livros e numa segunda-feira criei coragem para sair de casa em casa. Escolhi um bairro nobre, não muito longe de onde eu morava, recapitulei mentalmente as orientações do livro sobre como fazer ofertas, orei a Deus e toquei o interfone da primeira casa.

– Pois não? – a voz tinha um tom de impaciência.

– Bom dia. Sou estudante e estou apresentando um material que trata de saúde e relacionamento familiar. Posso falar com a senhora um momento?

– Não tenho interesse.

“Não tenho interesse... Não tenho interesse...” Repeti aquelas palavras em pensamento, tentando recordar as dicas do livro para vencer objeções. Mas não teve jeito. Tive que partir para a casa seguinte. Dessa vez, um advogado de meia idade me permitiu entrar e ouviu meu discurso. No fim, repetiu as mesmas palavras da vizinha: “Obrigado, mas não tenho interesse.”

Com poucas variações, a cena se repetiu em todas as residências daquela rua. Agora, quem estava ficando sem interesse era eu. Cansado e desanimado, resolvi voltar para casa. Antes passei no supermercado em comprei iogurte para beber e uns biscoitos. Aquele seria meu almoço.

Deitado em meu colchão, no quarto escuro que ficava ao lado da cozinha, eu era o próprio desânimo em pessoa. Queria conversar com alguém, mas a casa estava completamente silenciosa. Nem com a Débora eu podia falar, já que ela estava colportando com uma equipe de moças em Itajaí (a saudade era grande, mas, pelo menos, ela havia conseguido ingressar numa equipe e devia estar se saindo melhor do que eu). Tentando recobrar o ânimo, peguei alguns livros de Ellen White que eu já havia lido e comecei a copiar em cartõezinhos os textos que eu havia sublinhado. Aquilo me fez bem e depois se transformou numa espécie de caixinha de promessas. Resolvi reler O Colportor de Êxito e orei pedindo a Deus que me mostrasse um bairro onde eu poderia trabalhar (coisa que não havia feito na primeira vez).


No dia seguinte, levantei cedo, fiz meu culto, peguei os prospectos e comecei a trabalhar nas ruas do próprio local onde estava morando, o bairro Trindade. Disse a Deus que a primeira casa seria decisiva para eu continuar ou desistir daquele trabalho. Sentindo um frio no estômago, toquei a campainha. Uma mulher de uns quarenta anos me atendeu na varanda. Sentamo-nos nas cadeiras que havia ali e comecei a falar sobre os livros Saúde Pelas Plantas e Vida Natural, com o prospecto nas mãos. Ela cruzou os braços e começou a demonstrar desinteresse em minha exposição. Depois disse:

– Olha, moço, obrigado por tudo, mas achei sua exposição muito primária. Sou professora de bioquímica na universidade e não creio que precise desses livros.

Primária?! Fiquei sem reação e apenas orei a Deus para me ajudar a sair daquela situação.

– Tudo bem – prossegui. – Mas me permita ao menos terminar a exposição. Falta apenas um livro.

Não sei por que disse aquilo, já que, humilhado como me sentia, minha vontade era ir embora imediatamente. Quando tirei da pasta um exemplar avulso do livro O Grande Conflito e comecei a falar da história do cristianismo descrita pela autora e das profecias bíblicas expostas ali, a jovem senhora descruzou os braços e inclinou o corpo para frente, agora visivelmente interessada no que eu estava falando. Fiquei surpreso e prossegui exaltando as qualidades do livro que eu conhecia muito bem. Quando terminei, ela disse:

– Pode me deixar a coleção. Vou ficar com todos – ela entrou em casa e retornou instantes depois. – Aqui está o dinheiro.

Com receio de perguntar o que a tinha feito mudar de ideia, peguei o dinheiro e combinei a data da entrega. Despedi-me e prossegui confiante, certo de que havia recebido uma resposta de Deus. Depois de alguns dias, tinha conseguido algum dinheiro e feito muitos contatos missionários interessantes. Pude orar com várias pessoas em seus lares e falar de Jesus para outras tantas.

A experiência havia sido boa, mas minha vontade mesmo era atuar na área de comunicação. Cheguei a fazer entrevistas e recebi convites para trabalhar em alguns jornais importantes da Capital, como o Diário Catarinense, mas em todos havia a mesma dificuldade: era necessário trabalhar aos sábados. Até que o diretor das escolas adventistas do Estado de Santa Catarina ficou sabendo da minha intenção de trabalhar na obra adventista e me ofereceu uma vaga como professor de História no Colégio Adventista de Florianópolis (na época conhecido como Escola Adventista Dr. Siegfried Hoffmann). Eram poucas aulas e o salário mal dava para pagar o aluguel do apartamento que eu agora dividia com meus amigos de república que ainda estavam estudando na UFSC (ficamos pouco tempo na casa de madeira). Mas, de qualquer forma, era um trabalho. Mais do que isso: um desafio. E eu teria que compensar minha falta de formação específica e experiência com muito esforço e dedicação.

Estudei bastante os livros da coleção adotada pela escola e livros de didática, mas confesso que não estava preparado para a cena que veria no primeiro dia de aula. Assim que entrei na sala, a meninada da quinta série me saudou com um “bom dia, tio”. Eram apenas crianças! O desafio seria maior do que eu imaginava. E foi.

Esforcei-me ao máximo para ser um bom professor para minhas turmas de quinta a oitava séries, mas depois de dois anos e meio naquela atividade para a qual não havia me preparado, a frustração e o desânimo chegaram ao auge. Quando ia para a casa dos meus pais, nos fins de semana, ainda tinha que ouvir coisas do tipo: “Você estudou quatro anos de Jornalismo para agora dar aulas e ganhar tão pouco? Há colegas seus que já estão na TV, ficando famosos.” Eu sabia que a crítica tinha que ver com minha opção religiosa. Aos olhos de alguns parentes, era loucura um profissional como eu rejeitar ofertas promissoras de trabalho por causa do sábado. Apenas minha mãe e minha irmã mais nova entendiam minha motivação, já que eram adventistas como eu. Tive que ouvir e sofrer calado, esperando que um dia Deus honrasse minha fidelidade. E Ele o faria de uma forma que eu nem sequer imaginava na época.

*****

Eu estava vivendo uma verdadeira fase de transição em minha vida. O namoro com a Débora ia muito bem, mas o fato de não ter um emprego que me desse estabilidade financeira impedia qualquer projeto de um futuro casamento. No entanto, eu nutria confiança no Deus nas mãos de quem eu havia colocado meus sonhos e projetos. Havia aprendido a confiar nEle durante os anos de estudos e privações. Jamais me faltara algo que fosse necessário para viver. Até ali meu Pai celestial havia cuidado de mim. Fazia bem relembrar as bênçãos do passado a fim de não temer as incertezas do futuro.

Naquela tarde de 1996, sentado em meu colchonete num dos quartos do terceiro andar do apartamento-república, terminei de corrigir algumas provas e me pus a lembrar alguns eventos ocorridos em anos recentes.

Dois anos antes, o Luís, o Lauro, o Cláudio e eu embarcamos no ônibus que nos deixaria próximo à pensão (onde morávamos na época). Ouvimos algumas moças falando algo sobre a morte do famoso corredor de Fórmula 1 Ayrton Senna. Era o dia 1º de maio de 1994 e havíamos participado de um retiro espiritual com os jovens da Igreja Adventista Central de Florianópolis. Durante aqueles três dias, tínhamos ficado alheios ao que se passava no mundo (e eu mais ainda, já que a Débora havia ido comigo). Naquele domingo, em nossos primeiros dias de namoro, o Brasil estava em transe e não sabíamos.

– O que vocês estão dizendo? – o Luís não se conteve e perguntou às moças.

– Vocês não sabem? O Senna bateu o carro e morreu.

Era um daqueles momentos que marcam uma geração, como no caso da campanha por eleições presidenciais “Diretas Já”, em 1984; da morte do presidente Tancredo Neves, em 1985; do impeachment do presidente Fernando Collor, em 1992; e outros, que permanecem na mente como marcos na linha do tempo. Agora, o ídolo da nossa geração que levava o patriotismo dos brasileiros até as nuvens a cada corrida que vencia; o jovem corredor que tinha orgulho de passear com a bandeira nacional na pista de corrida; o Ayrton Senna do Brasil estava morto. O jovem campeão que tinha a vida pela frente não mais existia.

Aquilo me fez pensar uma vez mais na fragilidade da vida, descrita nas palavras do salmista: “O ser humano é como um sopro; a sua vida é como a sombra que passa” (Salmo 144:4). Lembrei-me também do que escreveu o filósofo e matemático Blaise Pascal no livro Pensées: “Não existe nada mais real que isto, nada mais terrível. Por mais heróicos que sejamos, este é o fim que aguarda a vida mais nobre do mundo. Vamos refletir nisto e, então, dizer se não é indiscutível que não existe bem nesta vida. A não ser a esperança de outra; que somos felizes apenas na proporção em que nos aproximamos dela; e que, como não existem mais aflições para os que têm plena certeza da eternidade, não existe mais felicidade para os que não têm essa esperança.”

Senna tinha tudo nesta vida, menos a própria vida, que não lhe pertencia. Embora a morte exista desde que o pecado entrou neste mundo, o ser humano nunca conseguiu se acostumar a ela. Não fomos feitos para morrer, e nossa inconformidade com esse inimigo mostra isso. Tentamos ignorar essa triste realidade levando a vida sem pensar muito no fato de que o destino final de todos é a sepultura. Quando alguém famoso ou muito próximo de nós deixa de existir, a vida nos joga no rosto essa crua realidade, chamando-nos mais uma vez à reflexão. Nesses momentos, entendemos que o que realmente importa são as pessoas, os relacionamentos. De uma hora para outra, tudo – formação acadêmica, status social, posses – fica tão pequeno...

Assistindo ao noticiário que não tinha outro assunto naquele dia, pensei na Débora e nos momentos agradáveis que havíamos tido no acampamento. Dei-me conta do quanto gostava de tê-la ao meu lado, de como a vida fazia sentido com ela e de como nunca mais gostaria de viver sem sua companhia. Ela era a mulher da minha vida e eu não poderia jamais perdê-la.

*****

Algum tempo depois da oficialização do nosso namoro no terminal urbano de Florianópolis, a Débora me convidou para conhecer seus pais. Eu nem imaginava o quão desastrado eu seria naquela tarde tão importante (sem dúvida, a Débora seria mais bem-sucedida em seu primeiro contato com minha família, poucos meses depois, em Criciúma).

Depois de viajar quase uma hora em dois ônibus, cheguei à Barra do Aririú, no município de Palhoça. Era um domingo à tarde e as ruas de calçamento de pedra estavam tranquilas. Quando encontrei o endereço, bati na porta (acho que meu coração batia mais forte). A Débora surgiu sorridente e me deu um abraço. Puxou-me pela mão e foi logo anunciando:

– Mãe, pai, ele chegou!

Na verdade, eu já conhecia os pais dela de um breve encontro naquele dia em que apresentei o sermão na igreja adventista do bairro. Mas era a primeira vez que ia à casa deles oficialmente como namorado da filha.

Eles foram bastante simpáticos comigo e me ajudaram a ficar bem à vontade. Lanchamos juntos e conversamos bastante. O “seu” Zulmar me falou de seu dia a dia como professor de Geografia da rede pública estadual e de suas “aventuras” como pescador. Como eu descobriria depois, quase todos naquela localidade tinham algum tipo de relação com a pesca. Alguns faziam dela um meio de sobrevivência; outros pescavam mais como hobby ou para complementar a renda familiar, como era o caso do “seu” Zulmar. Quando o estresse de suas atividades docentes aumentava, ele partia para o mar e às vezes passava a noite em companhia de seu pai e das tarrafas de náilon que eles mesmos confeccionavam. Descendente de açorianos, ele tinha a pele queimada de sol e os cabelos já ficando grisalhos.

“Dona” Lúcia era mais quieta. Falava pouco e parecia tímida, mas não tanto quanto minha mãe. Os olhos azuis e os cabelos loiros não negavam a ascendência germânica. Seus pais haviam nascido na primeira colônia alemã de Santa Catarina, São Pedro de Alcântara. A mistura dos dois havia trazido à luz minha princesa: os cabelos loiros e os olhos esverdeados lembravam os da mãe, e os lábios carnudos eram herança do pai.

Depois de lanchar, fomos para a sala de TV continuar a conversa. Foi quando pedi para ir ao banheiro e eles me indicaram o da suíte. Para ir até lá, era necessário passar pela sala de estar. Pedi licença e quando estava atravessando o cômodo, escorreguei no tapete sob a mesa de centro. Tive que me segurar na mesinha para não cair. Nem tive coragem de olhar para trás, mas pude imaginar os três segurando o riso. Recompus-me rapidamente e me tranquei no banheiro. Precisei de alguns instantes para recobrar coragem e voltar à sala de TV. Mas eles foram bonzinhos e fizeram de conta que não tinha acontecido nada.

Morro do Tomé, Barra do Aririú
Com a aprovação dos pais dela e dos meus, nosso namoro prosseguiu e nosso amor foi se aprofundando. Vivemos muitas situações juntos e passei a frequentar a igreja dela, sempre que possível. Com o tempo, tornei-me líder daquela comunidade adventista e procurei ajudá-los a mudar certos tipos de mentalidade e conduta. Eram bons irmãos e muito dedicados ao evangelismo e à igreja, mas a tendência legalista prejudicava o trabalho e os relacionamentos (tanto é que a Débora havia se afastado da igreja em grande parte devido a isso).

Por se tratar de uma congregação de periferia, nem sempre era possível contar com a presença e as orientações de um pastor. Por isso, em meus sermões e mesmo em conversas com os irmãos, procurei falar-lhes do amor de Deus; que a igreja é um “hospital” para tratar os doentes do pecado; e que embora os princípios devam ser mantidos, as pessoas estão acima das normas e das regras. Chamei-lhes a atenção para as atitudes de Jesus, que é carinhoso e sempre preocupado com o bem-estar e a salvação de Seus filhos. Foi uma experiência muito gratificante para mim. Pude ver a igreja crescer. Em pouco tempo, a casa de madeira que utilizávamos para as reuniões já não comportava os adoradores. Com a ajuda dos irmãos, realizamos algumas séries evangelísticas (usando na época um velho projetor manual de slides). Com muita oração e esforço, demos início à construção do templo, que ficou pronto depois de alguns anos.

A Débora e eu passávamos muito tempo juntos. Dávamos estudos bíblicos, pregávamos na igreja e visitávamos os irmãos e os interessados em conhecer a Palavra de Deus. Em pouco tempo nos tornamos muito íntimos, conhecendo muito bem os pensamentos e sentimentos um do outro. Mas essa intimidade também teve um lado perigoso bem explorado pelo inimigo que certamente não estava contente com o que estávamos fazendo pelo reino de Deus.

Certa vez, depois de alguns meses de namoro, tivemos que tomar firme decisão em relação à nossa pureza sexual. Um dia a Débora me abordou com palavras diretas: “Temos que estabelecer certos limites em nosso namoro. Jesus me disse que corremos perigo e nosso relacionamento pode ser prejudicado se não nos cuidarmos.” De início, achei aquela conversa meio estranha, mas depois compreendi os motivos dela. Ambos éramos recém-convertidos, e até conhecer a mensagem bíblica, tínhamos como parâmetro os relacionamentos propostos pelo “mundo”; relacionamentos via de regra focalizados na busca do prazer irresponsável. Nossos padrões morais eram outros agora e precisávamos viver à luz deles. Além disso, éramos líderes em nossa igreja e devíamos servir de modelo aos outros jovens, como diz o apóstolo Paulo: “Ninguém despreze a tua mocidade; pelo contrário, torna-te padrão dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza” (1 Timóteo 4:12, grifo meu).

Precisávamos ser puros e entendi que nossa felicidade futura dependia disso. Mais uma vez agradeci a Deus por ter me concedido uma namorada fiel, que me ajudou a levar cativo “todo pensamento à obediência de Cristo” (2 Coríntios 10:5).

É claro que para uma pessoa que não vive à luz da Palavra de Deus as recomendações que vou dar a seguir e essa nossa atitude no namoro podem parecer bobagem. Mas há razões lógicas, além das teológicas, para se evitar o sexo antes do casamento. Eis algumas delas:

Para evitar sofrimentos futuros e promover a confiança. Todo relacionamento humano se baseia na confiança. Com o casamento não é diferente. Descobri isso numa entrevista concedida ao pastor George Vandeman pelo doutor Josh McDowell, no programa de TV “Está Escrito”: Josh contou que namorou uma garota por cerca de três anos e, vinte anos depois, sua esposa acabou conhecendo aquela ex-namorada. As duas se tornaram amigas. Certo dia, ao voltar para casa, Josh recebeu um abraço da esposa. Olhando nos olhos dele, ela disse que estava muito feliz por ter sabido que ele havia se comportado bem durante aquele período. “Jamais pensei que o meu namoro de vinte anos antes poderia afetar meu casamento hoje. Minha esposa confia em mim”, disse ele.

Para evitar lares sem estrutura (ou mesmo a ausência de lares). Como dois adolescentes poderão assumir as responsabilidades de um lar, caso o envolvimento sexual pré-marital acabe em filhos (e frequentemente acaba)? Esse é um dos maiores motivos de infelicidade conjugal. E que tipos de cidadãos um lar infeliz e desestruturado formará? Deus sabe o momento e o contexto certos para o envolvimento sexual, pois “o matrimônio, na maioria dos casos, é um jugo muito aflitivo. Milhares há que se acham acasalados, porém, não casados. [...] Da qualidade do lar depende a condição da sociedade” (Ellen G. White, O Lar Adventista, p. 44). Quando se envolve em sexo fora do casamento, o jovem, além de jogar para o espaço um dos melhores momentos da vida, depara-se também com os problemas do aborto e de “pais solteiros”. E ambos trazem tristes consequências. É por isso que Deus diz, em Hebreus 13:4: “Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula.”

Para não contrair DST. As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) são outro fruto amargo colhido por aqueles que se envolvem em sexo fora do casamento. Quando Deus diz “não cometa imoralidade sexual” (1 Tessalonicenses 4), faz isso porque quer nos proteger das consequências dessa prática (aliás, toda negativa divina se revela, cedo ou tarde, uma bênção para nós). O único sexo psicológica e fisicamente seguro é aquele praticado dentro do casamento.

Mas a pergunta mais importante que deve ser feita pelos namorados é: “Como evitar o sexo antes do casamento?” Primeiramente, é preciso ter firmeza de caráter para “remar contra a maré” e dizer não. Lendo alguns livros, pude relacionar algumas dicas:

Evitem conversas sobre assuntos sexuais. Isso é um forte elemento de excitação. Piadas, frases insinuantes, etc., devem ser evitadas. Existem outros assuntos sobre os quais conversar durante o namoro. Experimentem, por exemplo, ler bons livros juntos (ex.: Só Para Jovens, Cartas aos Jovens Namorados, etc.).

Imagine que seus pais contrataram um detetive para segui-lo. Ele fará um relatório de tudo o que você fizer. Tendo isso como parâmetro, você fará com seu amor apenas aquilo que pode ser visto e relatado. Isso é um namoro seguro. Enquanto namoram, a pergunta básica é: “Podemos fazer isso no meio da praça central, ao meio-dia, sem constrangimento?” Se a resposta for sim, tudo bem. Mas o que passar disso deve ficar para o casamento.

Evitem estar a sós por muito tempo. Tarde da noite, então, nem pensar. Pesquisas revelam que os três locais onde mais ocorrem intimidades sexuais são: (1) a casa da moça, (2) a casa do rapaz e (3) o automóvel. Saber disso é bom para evitar o problema.

Não se deixe levar pelos meios de comunicação. Qual foi a última vez que você viu, na TV, um homem dizer a uma mulher: “Eu te amo”, e não irem para a cama? Qual foi a última vez que você ouviu alguém dizer não ao sexo em um filme? Os meios de comunicação (as novelas, seriados e filmes, principalmente) contribuem muito para a licenciosidade atual. Por isso, evite “ler, ver ou ouvir aquilo que sugira pensamentos impuros”, diz Ellen White, no livro Mensagens aos Jovens, página 285. E atenda ao conselho do salmista: “Não porei coisa má diante dos meus olhos” (Salmo 101:3). Não alimente indevidamente a chama que arde em você. Guarde-a para o momento certo, no contexto certo e com a pessoa certa. É assim que Deus deseja – para o seu próprio bem.

Anos depois, tomei conhecimento de um estudo que confirmou, mais uma vez, os conselhos bíblicos quanto ao sexo. Ele foi publicado na revista científica Journal of Family Psychology, da Associação Americana de Psicologia e sugere que casais que esperam para ter relações sexuais depois do casamento acabam tendo relacionamentos mais estáveis e felizes, além de uma vida sexual mais satisfatória.

“Independentemente da religiosidade, esperar [para ter relações sexuais] ajuda na formação de melhores processos de comunicação e isso ajuda a melhorar a estabilidade e a satisfação no relacionamento no longo prazo”, disse o pesquisador Dean Busby. “Há muito mais num relacionamento que sexo. Descobrimos que aqueles que esperaram mais são mais satisfeitos com o aspecto sexual de seu relacionamento.”

Quando a Débora recebeu aquele conselho de Jesus, pudemos ter certeza de que Ele queria nos ver felizes e unidos em santidade. Outra vez havia ficado claro que Deus nos havia unido e estava ao nosso lado.

4 comentários:

Anónimo disse...

Gente, parabéns!!
Li tudo em duas tardes!!
Gostei muito da história de vocês e espero ansiosamente pelos próximos capítulos!
Que Deus continue abençoando vcs grandemente!

Anónimo disse...

Também lí tudinho,já estava ansiosa por esses capítulos.
Parabéns Michelson e Débora a história de vocês é linda.
Continuem postando.
Fiquem com Deus e até o próximo capítulo.
Jocilene Bravim.

Anónimo disse...

Gente, kd as atualizações??rs

Unknown disse...

Parabéns pela linda história!
Gostei muito, posso tira uma lição para a minha vida, pois quero estar mais perto do nosso amigo Jesus que tanto nos ama,sinto hoje essa necessidade,como nunca tinha sentido antes,e a história de vocês me ajudaram muito,que Deus continue abençoando o trabalho dos dois e obrigado por repartir essa linda história conosco.

Jéssica Brites